terça-feira, 28 de outubro de 2025

Daniel Mastral – ficcionista brasileiro do satanismo

 



Nascido Marcelo Ferreira[1] (1967), o ex-satanista que ficou famoso na internet adotou o pseudônimo Daniel Mastral desde 1999. Para ele, ser o filho do fogo significava que as chamas não iriam queimar aqueles que pertencessem a ela, filho do fogo o fogo não queima. “Aquele que vive nas sombras enxerga quem está na luz, mas estes não conseguem enxergar o oculto”.

Esses são alguns ditados que ele alega serem frequentes entre os membros da irmandade que afirma ter frequentado. As seitas reforçam uma frequência de pensamento segundo a qual os que fazem parte delas estão integrados a um grupo seleto, nem a própria família os compreende tão bem quanto seus gurus e colegas de crença.  

Extremamente polido, articulado e com boa oratória, Mastral arrastou parte considerável dos internautas para endossar suas posições teológicas e exposições de um jogo das sombras.

Sobre os seus livros, ele diz que 85% é autobiografia. Se tudo o que ele escreveu for mentira, vale como ficção; se por acaso reflete casos verdadeiros, trata-se de uma personalidade singular.

Marcelo recorre à troca de nome à maneira dos episódios bíblicos, quando um personagem assumia uma nova etapa da vida. Simão torna-se Pedro, José torna-se Barnabé e Jacó passa a se chamar Israel. Por isso ele, Marcelo, torna-se Daniel Mastral. A facilidade de reconhecimento do pseudônimo para fins editoriais seria apenas um bônus, efeito remoto de um acontecimento simbólico de importância epifânica.

Vamos às suas alegações, expondo aqui um apanhado de tudo quanto ele diz ter ocorrido ou presenciado...

A linhagem da seita satânica que ele alega ter pertencido remontaria até a Idade Média. As seitas secretas se consideram guardiãs dos segredos da humanidade, elas possuem um acervo privado que contém conhecimentos que não podem ser encontrados nas livrarias comuns. Boa parte desse material é transmitida oralmente. Para fazer parte dessas seitas é necessário ser de uma linhagem profana, por isso os seus integrantes colhem muitos dados para avaliar o ingresso de novos interessados.

Ele diz que não é necessário ser satanista para servir ao Diabo, basta fornecer-lhe matéria-prima, como orgulho, soberba, altivez, dentre outras falhas por meio das quais o demônio pode atuar, portas abertas para uma influência maior, crescente e profunda.  

Conforme relata, Mastral sempre foi muito de estudar e que ocultismo, para ele, era expressão que não significava apenas o conhecimento de esoterismos, senão de qualquer coisa que estivesse fora do alcance do público, algo a ser desvendado. A curiosidade o levou à seção de ocultismo do centro cultural de São Paulo.

Enquanto jovem, tentou participar de uma igreja evangélica, na frente da qual constava uma mensagem que dizia “todos são bem-vindos”. Estava todo paramentado com roupa alternativa, cabelão de metaleiro e sentiu que havia um estranhamento dos crentes com relação a ele. Se fosse bem-vindo, ninguém deveria ter estranhado a sua forma de se vestir (pensou ele). Essa má reação dos irmãos fez com que ele não se sentisse acolhido e abandonou o culto.

Um traço característico que se mantém em seus depoimentos é a alta sensibilidade, em contraste com a imagem exterior de marginal, dado a brigas de rua e atos infracionais, o que marcou a sua juventude. Em “O Filho do Fogo – volume 1”, o personagem é vítima constante de bullying e encontra na reação agressiva uma forma de vingança e proteção, deixando de apanhar para passar a bater.

Na década de 80, ele pesquisou no consulado norte-americano por fichas de endereço da Igreja de Satã (Church of Satan), do famosíssimo Anton Lavey, e encontrou um endereço na Califórnia. Enviou uma carta em português, respondida passados alguns meses, lamentavelmente, em inglês. Inconformado, porque não sabia nada de inglês, mandou outra carta pedindo que enviassem uma resposta em português, porque de inglês ele não entendia nada. Passado um tempo, veio uma carta em português, informando que satanismo não era para qualquer um, que depois que entrasse não tinha como sair e indagando ainda se ele realmente estava interessado em se juntar. Ele preencheu uma ficha com uma série de informações tais como hábitos, ascendência, descendência, data de nascimento e o horário, a razão de ele os ter procurado, anexando fotos, endereço, informando dados da família, se estudava ou em qual escola estudou. 

E assim começava a aventura de Mastral no mundo satânico.

Num desses dias, ele estava estudando num canto do centro cultural, a biblioteca estava vazia, e chegou um senhor que aparentava ter 38 anos. O homem invadiu o seu espaço pessoal e forçou contato com ele de maneira tão invasiva que Mastral pensou se tratar de uma abordagem homossexual, rejeitando os avanços da figura (ele diz que era uma pessoa famosa, mas na época ela passava despercebida). O homem esclareceu que não era nada daquilo que o aspirante a satanista, na época ainda Marcelo, estava pensando e que o motivo da visita era o pedido de ingresso na seita. O homem misterioso forneceu uma sequência de informações pessoais, indagando que Marcelo confirmasse se era ele mesmo a pessoa que preenchia aquela qualificação e que tinha pedido para ingressar.

-Você é aquele fulano de tal que escreveu a carta e desejava se juntar a nós? Pois então, é por isso que eu vim aqui.

O homem era cordial, discreto, pagou-lhe um café, vários salgadinhos, deixou que ele pedisse qualquer coisa na lanchonete e teve um bate-papo com Mastral.

Sobre esse personagem de aura misteriosa é dito que manteve relações com a mãe do protagonista, logo no início, dando a entender ser o seu verdadeiro pai. Posteriormente, esse mesmo personagem, Marlon, é quem o introduz nos caminhos da seita e da doutrina oculta. Sempre simpático, beirando “40 ou 42 anos, tez pálida e traços que lembravam uma descendência sírio-libanesa. Usava um blazer de corte fino e elegante, preto, com camisa esporte clara. O anel era claramente de ouro, bem como a grossa corrente ao pescoço e os pequenos broches esquisitos na lapela. Reparei no tremendo rolex”. Isto é o que há de descrição da figura, o público completou o resto, cogitando a possibilidade de que o personagem na verdade seria o ex-presidente Michel Temer.

O autor nega o paralelo e até mesmo ironiza, falando que o próprio Temer citou o seu livro em um discurso. Depois de muitos boatos e conversas do público, o assunto morreu depois que Temer voltou para as sombras da política, após passar o seu período enquanto Presidente da República.

Após o episódio ocorrido na biblioteca do centro cultural, combinaram de aprofundar o encontro em outra oportunidade. Já em outro dia, dirigindo um opala preto, o homem foi buscar Marcelo em frente à Igreja do seu bairro.

Ele foi levado a uma mansão de um bairro nobre de São Paulo, com lareira, lustre, mesas grandes e muita opulência. Havia muitas pessoas e elas o trataram bem, mesmo que não estivesse bem vestido (portanto, diferente do que ocorreu na igreja evangélica). Havia pessoas que moravam na casa e outras 20 que se encontravam na mesma faixa etária de Mastral, que na época contava com 17 anos.

Desceram ao porão, que era iluminado e arejado. Existe casa ou mansão no Brasil com porão? Não sei...

Mastral salienta que andava armado, tinha faca e arma de fogo (caso fosse uma emboscada ele estaria precavido), mas ninguém se deu conta disso e nem houve necessidade.

Começou uma palestra, um verniz da doutrina satânica ministrada com auxílio de um retroprojetor. Isso ocorreu três vezes por semana, da casa para o centro satânico, deste de volta para a casa. Era uma sessão de doutrinação segundo a qual os satanistas realizavam a sua inversão típica, apresentado Deus como mau e o demônio como bom, como injustiçado e oprimido. Deus é colocado como um tirano, punitivo, que irá mandar a criação para a eternidade do inferno e que não há presença de amor em seus atos. Mastral se refere a esse conjunto de aulas como sendo um programa de lavagem cerebral.

A ficção de Mastral desenha mansões e castelos no Estado de São Paulo, dedicados a altos encontros satânicos, com salões elegantemente atapetados, variedade de bebidas e salas especiais dedicadas aos exercícios místicos nos quais se direciona a energia do corpo para adequá-lo à doutrina dos anjos caídos. Existe muito de direcionamento da energia nessas sessões místicas, chakras, ki, são várias as denominações dadas a energia, conforme as diferentes culturas do globo.

Num contexto ritualístico, Mastral ressalta a importância do papel feminino para o satanismo, o seguinte trecho é extraído de um de seus livros: “Por fim a mulher que punha os ingredientes tomou uma jarra e despejou um pouco do seu líquido dentro do caldeirão. Parecia que havia acabado seu trabalho. Tudo deve ter durado pouco menos de uma hora. Mais tarde eu vim a saber que as mulheres são muito bem vistas dentro do contexto do Satanismo e da Irmandade. Pois foi a mulher que teve a sabedoria de comer do fruto proibido e, cheia de poder de sedução, ofereceu-o também ao homem” (O Filho do fogo - Volume 1).

Findo o curso, fizeram umas perguntas para saber se ele havia retido a doutrina, submeteram-no a alguns testes de QI e de lealdade. A família dele passou a ser a irmandade, o nome da seita era “filhos do fogo”, mas a seita satânica, como um todo, é internacional.

Aplicaram uma série de injeções no novato, alegando que eram imunizantes para deixá-lo mais forte e retardar o envelhecimento. Desde então, Mastral sentiu ascensão meteórica no campo profissional, pois os membros da irmandade ocupavam vários postos na sociedade e, quando não estivessem em quadros profissionais estratégicos, poderiam fazer magia para prejudicar aqueles que se mostrassem impeditivos às ambições profissionais do colega luciferiano. E as coisas ocorrem de fato assim na ficção dele, quando precisa de alguma coisa, ele faz um ritual, um trabalho, exatamente como os macumbeiros. Quando não consegue por suas próprias forças, chama alguém da irmandade com uma especialidade mais sofisticada das artes obscuras, o que nos permite concluir que esse proceder satânico é uma espécie de macumba dourada ou gourmet, sem aquela indumentária grotesca, da estética suja, dos macumbeiros de branco, munidos de galinhas pretas, pipocas e velas em centros sem aprumo.

Chegou num ponto em que a seita exigiu que Mastral realizasse um sacrifício para ascender na hierarquia, no que ele se mostrava relutante. Em paralelo, ele começou a namorar uma mulher da igreja e frequentava os cultos, quando sofreu um desmaio. Nesse contexto, ele travou contato com um dos pastores, contra o qual realizou diversos trabalhos sem conseguir atingi-lo. Em uma das reuniões marcadas com o pastor, Mastral se surpreendeu que ele havia comparecido, sinal de que o ritual para atingi-lo havia falhado. O pastor o convence a entrar na sala para fazer uma breve oração. Já dentro, ele notou que as janelas possuíam grade e que a porta havia sido trancada, com a última lembrança sendo a da palma do pastor crescendo em seu rosto e ficando tudo escuro. Ele passa por um exorcismo e a sala fica destruída. Mastral descreve que passou a ter um sentimento de paz.

A virada de chave em sua vida passa pela conversão ao cristianismo, em sua vertente evangélica. Com uma estrutura mafiosa, ele diz que a seita o perseguiu depois que ficaram sabendo de sua apostasia do satanismo, ameaçando-o de morte e matando seus animais de estimação. Muita água correu até que ele conseguisse se desvencilhar desse passado e viver normalmente.

Desde então, Daniel Mastral tornou-se uma figura altamente popular em podcasts e redes sociais, contando os seus vídeos com milhões de visualizações, além de uma massa de admiradores, pronta para acreditar em todos os pontos alegados por ele, tanto no aspecto biográfico quanto no aspecto escatológico.

Em suas manifestações, nota-se sempre a aura do escolhido. Ele afirma que o número 9 é importante para o demônio, porque a Bíblia diz que ele recebeu nove pedras, também a obra de Dante é uma travessia entre os nove círculos infernais, descrevendo as punições que os pecadores lá encontram. O demônio teria nove discípulos e Mastral mencionou que um pregador teve uma visão na qual um desses discípulos abandonaria a seita satânica e se converteria, dando a entender que esse ex-discípulo seria ele mesmo, Daniel Mastral. Isso foi dito em uma das entrevistas.

Em suma, a sua mensagem é a de que existem seitas satânicas e elas pretendem não só adorar o diabo e entidades, como também governar o mundo. Para isso é preciso um gatilho, crises, oportunidades em que uma nova proposta pode ser vendida de maneira mais palatável ao público geral. Porém, o Apocalipse prenuncia a destruição, o fim do mundo, e os satanistas, se o são de fato, creem em Deus. Se o Apocalipse é o fim do mundo, não seriam os satanistas burros então? Nesse caso, ele recorre ao conceito de arrebatamento. Com a grande tribulação, haverá uma massa que será retirada da terra e conduzida para o céu, ou como dizem alguns, para a Jerusalém celeste, e irá restar este mundo destruído para servir de base ao reino satânico. Eles desejam instaurar o reino luciferiano sobre a terra após essa fase apocalíptica, reinar sobre a massa destruída. Findo o período histórico e consumada a escatologia, não haveria nenhum interesse de Deus em intervir aqui neste mundo e o demônio então integraria este plano como um de seus domínios.

E quanto ao inferno? Os satanistas contam com o fato de que, sendo do time demoníaco, quando morrerem será escolhido um lugarzinho bom no inferno para que eles possam prosseguir a sua pós-existência terrena (afinal eles não são como os outros condenados, eles são uma “nata”, fazem parte da irmandade), o resto vai para o “inferno dos órfãos”, onde, aí sim, haverá muito sofrimento.

Assim, a doutrina satânica é vendida com base em sofismas, falsas promessas e se baseia numa falsa independência ou paridade do demônio com relação a Deus, recaindo no velho maniqueísmo.

Em certo trecho do volume 2 de sua obra, ele nos traz uma cena na qual uma satanista mais experiente, vinda dos States, se coloca a palestrar diante de seus correspondentes brasileiros, é aí ele desenha a visão satânica acerca de entidades e continentes, além de se jactar quanto aos planos luciferianos e seu cenário de maturação. A palestra dessa suposta satanista, em resumo, passa a ressaltar o domínio cultural satânico, traçar zonas geográficas, com o enfoque nos Estados Unidos da América.

Mesmo quando passou a se contrapor ao satanismo, Mastral continuou acreditando piamente nesses traçados feitos pela expositora, e a partir dessas páginas[2] ele faz seus raciocínios sobre diversas questões de geopolítica e religião, ainda que com uma chave invertida.

Assim é que, partindo da base ficcional (que o autor alega se tratar de autobiográfica em sua quase totalidade), chega-se ao ponto em que ele passa a interpretar também a política das nações e as agendas internacionais, ora caminhando num sentido acertado e razoável, ora recorrendo a narrativas altamente especulativas, dando-as como certas. É digno de nota que os desinformantes seriam ineficazes se trouxessem apenas fatos inexistentes e delirantes, eles precisam misturar as conspirações verdadeiras com as conspirações falsas e chacoalharem tudo para produzir uma mistura alucinógena que dificulta a interpretação do cenário como um todo.

No final das contas, o que Mastral revela? Ele escreve sobre doutrina, encontros e rituais, mas não revela nada nem ninguém.

Parafraseando o ditado segundo o qual se fala o milagre, mas não o santo, Mastral fala muito sobre rituais, contatos e acerca da existência de satanistas importantes nas altas esferas da sociedade, em tom geral, pois não identifica nenhum em particular, nem instituições privadas ou públicas que teriam conexões com uma seita satânica. Os satanistas arranjaram para ele um emprego de relevo em uma determinada empresa, Mastral não revela qual é a empresa nem quem era o gerente vitimado pelos feitiços de sua seita para que ele pudesse ascender ao cargo de alto executivo.

É alegado também que os satanistas ocupam altas funções na sociedade, apresentando-se como empresários, promotores, juízes, políticos, delegados, etc... Mas Mastral nunca identificou nenhum, nem se antecipou a deixar um dossiê preparado contendo tudo o que ele poderia ter revelado, mas não revelou, fosse qual fosse a razão para não o ter feito (como, por exemplo, a de que foi um ajuste para parar a perseguição). As pessoas consideradas arquivos vivos, marcados para uma queima, têm a péssima mania de não deixar um documento preparado para impedir que seus adversários sejam bem sucedidos na supressão da verdade.

Ele reproduz uma versão da história altamente problemática, alimentando muitos mitos já endossados pelo mesmo estamento internacionalista contra o qual ele alega se contrapor. Reproduz, principalmente, mitos contra a Igreja Católica, lendas sobre as cruzadas, falsificações sobre a Inquisição, além da consagrada mentira de que “Constantino teria remodelado o cristianismo primitivo com a instauração de uma Igreja Católica Apostólica Romana, com santos, sincretismos e etc...”, quando na verdade o referido imperador apenas cessou a perseguição, mantendo a Igreja as suas práticas e os quadros eclesiásticos até então existentes.

Ainda no campo religioso, ele fala também da questão dos Nefilins, os tais gigantes bíblicos, que iam de 2 a 4 metros. Também encontraremos menções ao mito de Ratanabá e as pirâmides da Amazônia (inclusive com o acréscimo de que até Hitler sabia das pirâmides da amazônia...).

Vindo para os tempos modernos, ele repete o mito de que a Rússia manipulou a eleição dos Estados Unidos em 2016 em favor de Donald Trump. Essa mentira é diretamente confrontada pelo fato de que os próprios democratas estão conectados com os interesses dos russos de longa data. Os arquivos trazidos à luz por Bukowsvi expõe a diplomacia secreta do então Senador Joe Biden[3], que na década de 80 havia dito não ter nada contra os soviéticos e que a oposição era na verdade da boca para fora, como se não bastasse as conexões dele (e de seu filho) com burocratas de Moscou, obviamente supervisionados pelo Kremlin. A afirmação de Mastral segundo a qual a CIA teria provado a manipulação das eleições norte-americanas, pelos russos, em favor de Donald Trump em 2016 é completamente delirante e falsa.

No aspecto teológico, encontramos uma das manias mais perversas, mas que, ditas num tom fofo e inofensivo, passam por delicadezas impossíveis de serem confrontadas, mas aqui nós o faremos. Falo sobre a detestável simplificação que reduz Deus a “amor”. Isso de “Deus é amor” é frequentemente usado como subterfúgio para escapar da higidez doutrinária e legitimar heresias, deformações do credo e da própria história cristã. Para além do amor, existe um corpo doutrinário muito bem definido e mandamentos explícitos, contra os quais ninguém pode se opor sem o afastamento da graça divina, com a respectiva condenação ao inferno, que não é obra de Deus, mas sim angélica, dos demônios caídos, embora com a óbvia permissão divina.

É com base no tratamento equivocado da questão do amor que se explica a facilidade com que se troca de posição teológica, como se o discurso tivesse se convertido em falsidade pelo simples fato de o fiel não ter se sentido acolhido, como se o ponto determinante fosse uma experimentação que navega na subjetividade, típica da fluidez arbitrária provocada pelo abandono de dogmas, aliás, dogmas gerados por longas e intensas discussões em concílios.

Mastral não se sentiu bem na igreja que frequentava, não se sentiu acolhido, e então resolveu sair. Ele mensura o acerto ou o desacerto de questões teológicas com base no conforto e na agradabilidade que elas são capazes de lhe proporcionar, um critério que não faz sentido algum, pois são as normas que devem orientar a conduta, e não esta as normas, sob pena de mundanizar a Igreja. Algo que nunca funcionou e que, quando tentado, sempre fez com que as igrejas cessassem de serem igrejas.

É atribuída ao Papa João Paulo II a citação segundo a qual os brasileiros são católicos no coração, mas não na fé, dando a entender que nestas terras o dogma encontra dificuldades de absorção. Por isso, se uma pessoa dessas encontra um padre grosseiro, a doutrina vira falsa, como se o conjunto discursivo teológico não existisse por si, indiferente aos humores e idiossincrasias de ocasião, ou seja, àquilo que Mastral tomou como fator determinante em inúmeras ocasiões.

Mastral fala bastante sobre a questão das inoculações e sobre alguns globalistas proeminentes, como Bill Gates. Esse papo de globalismo se espalhou e é mais aceito atualmente do que era alguns poucos anos atrás. Isto se explica pelo fato de que, antigamente, apenas vozes conservadoras e patrióticas cultivavam informações acerca das iniciativas internacionalistas e enxergavam a cisão que elas visavam produzir entre os estados nacionais, seus povos e as elites interessadas no domínio hegemônico. Tais vozes suportavam com firmeza as tentativas de enquadrá-las com pechas de conspiração, mas o seu discurso foi reforçado quando um dos esquemas globalistas acorreu para denunciar o outro, valendo-se, nesse ato, de diversos pontos levantados contra o globalismo ocidental. Assim, a máquina de propaganda dos neocomunistas (globalistas vermelhos), impulsionou diversas alegações já feitas contra os globalistas brancos, é verdade que impulsionam também vários pontos problemáticos que mais confundem do que esclarecem.

Todos esses pontos passam despercebidos da lente mastraliana. Considero-o um sujeito muito simpático, mas cujas pretensões de conhecimento do oculto estão muito acima do que o cenário permite, ele faz uma mistura excessiva de conspirações baseadas em fatos reais com elucubrações próprias sem lastro, fruto da mitologia contemporânea. O mais curioso é que não encontrei nenhuma voz querendo tachá-lo de teórico da conspiração, enquadrando-o como louco, que fala naturalmente sobre diversos temas que, ditos por outrem (principalmente se vinculado à direita política), poderiam gerar xingamentos imediatos. Ao contrário, Mastral dissertava sobre os temas mais espinhosos, como inoculações, guerra biológica, Adrenocromo para as elites, sem sofrer nenhuma interrupção ou ridicularização e, aliás, frequentando os podcasts mais visados do País. Quanto mais avançava nesses assuntos, mais era convidado.

A hipótese de um desinformante profissional não me parece sólida, eu penso que ele de fato acreditava no que dizia. Essa confusão genuína que ele faz possui forte veia teológica freestyle típica do meio pentecostal, que navega aos sabores das profetadas, sem a base milenar e doutoral da Igreja.

Dissipar os mitos históricos é mais fácil do que os filosóficos, e dissipar estes muito mais do que os de nível teológico. Infelizmente, Mastral não teve tempo de dar esse salto qualitativo, nem parecia estar em busca de pesquisar fontes substanciais ou adicionais sobre seus tópicos de interesse.

As circunstâncias de sua morte alimentam hipóteses e teorias. Ele estava em uma fase de reconstrução da vida, após a ex-esposa e o filho terem falecido, ambos acometidos por um quadro depressivo grave.

Sobre a morte do escritor, encontram-se basicamente duas respostas sobre a mesa. A primeira trata da hipótese de queima de arquivo, pois, segundo dizem, ele sabia demais, ou teria “dado com a língua nos dentes”. Estava com uma nova esposa, outro filho e, como se não bastasse, havia enviado mensagens a um amigo pouco tempo antes, indicando que ainda havia muita coisa a ser dita: que revelaria nomes e apresentaria coisas que nunca havia apresentado antes.

Por fim, há a hipótese de suicídio, baseada na ideia de que ele não teria conseguido superar o quadro depressivo que o acometia, além de não suportar as consequências à sua honra que uma investigação criminal poderia causar, tendo por objeto a alegada hipótese de suicídio assistido da ex-esposa (ele confessou que passou a noite monitorando o pulso dela, que estava tomando remédios para depressão e tudo indicava que exagerou na dose).

Nessa última linha de raciocínio, trabalha-se também com a hipótese do suicida que, momentos antes, deseja montar uma base para a impressão de que não está se matando, que procura deixar em suspenso a probabilidade de ter sido vítima de forças ocultas por ser alguém crucial, prestes a revelar algo. Ou seja, tal forma de pensar pressupõe uma personalidade vaidosa, que quer ser vista como o grande desvelador das intenções ocultas...

Não foram encontrados sinais de que havia terceiros no local de mata para onde ele se dirigiu espontaneamente e sozinho.  Ainda assim, há quem jure, de pés juntos, que houve de fato uma queima de arquivo. Cada um é livre para acreditar no que quiser. Por mim, devemos considerá-lo sobretudo como um ficcionista brasileiro, um olhar atento e benigno saberá extrair de sua literatura a excitação imaginativa cujo verossímil é combustível para desdobramentos artísticos com essa mesma temática de misticismo e sociedade secretas. Espera-se que um escritor exerça a liberdade criativa, pouco importando que os fatos expostos sejam reais ou não, mas é interessante deixar o público ciente de que existem movimentações feitas nas sombras, por elites discretas (ou secretas – vale salientar que há diferença nesses dois termos).

Não encontraremos aprofundamento psicológico e altos debates filosóficos travados entre os personagens, com toda aquela tensão moral colocada diante do leitor, mas os escritos de Mastral possuem a virtude da simplicidade, são fáceis de ler e cumprem essa função de excitar a imaginação, de confabulações que ocorrem no Brasil, com elites e pessoas importantes, sem fechar o quadro conclusivo, como o próprio autor nunca fechou, mesmo quando tinha a oportunidade de fazê-lo.



[2] Na minha edição, página 200 em diante, “O filho do Fogo – Volume 2”.

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Daniel Mastral – ficcionista brasileiro do satanismo

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