Nascido Marcelo
Ferreira[1]
(1967), o ex-satanista que ficou famoso na internet adotou o pseudônimo Daniel
Mastral desde 1999. Para ele, ser o filho do fogo significava que as chamas não
iriam queimar aqueles que pertencessem a ela, filho do fogo o fogo não queima. “Aquele
que vive nas sombras enxerga quem está na luz, mas estes não conseguem enxergar
o oculto”.
Esses são alguns ditados
que ele alega serem frequentes entre os membros da irmandade que afirma ter
frequentado. As seitas reforçam uma frequência de pensamento segundo a qual os
que fazem parte delas estão integrados a um grupo seleto, nem a própria família
os compreende tão bem quanto seus gurus e colegas de crença.
Extremamente polido,
articulado e com boa oratória, Mastral arrastou parte considerável dos
internautas para endossar suas posições teológicas e exposições de um jogo das
sombras.
Sobre os seus livros,
ele diz que 85% é autobiografia. Se tudo o que ele escreveu for mentira, vale
como ficção; se por acaso reflete casos verdadeiros, trata-se de uma
personalidade singular.
Marcelo recorre à troca
de nome à maneira dos episódios bíblicos, quando um personagem assumia uma nova
etapa da vida. Simão torna-se Pedro, José torna-se Barnabé e Jacó passa a se
chamar Israel. Por isso ele, Marcelo, torna-se Daniel Mastral. A facilidade de
reconhecimento do pseudônimo para fins editoriais seria apenas um bônus, efeito
remoto de um acontecimento simbólico de importância epifânica.
Vamos às suas
alegações, expondo aqui um apanhado de tudo quanto ele diz ter ocorrido ou
presenciado...
A linhagem da seita
satânica que ele alega ter pertencido remontaria até a Idade Média. As seitas
secretas se consideram guardiãs dos segredos da humanidade, elas possuem um
acervo privado que contém conhecimentos que não podem ser encontrados nas
livrarias comuns. Boa parte desse material é transmitida oralmente. Para fazer
parte dessas seitas é necessário ser de uma linhagem profana, por isso os seus
integrantes colhem muitos dados para avaliar o ingresso de novos interessados.
Ele diz que não é
necessário ser satanista para servir ao Diabo, basta fornecer-lhe
matéria-prima, como orgulho, soberba, altivez, dentre outras falhas por meio
das quais o demônio pode atuar, portas abertas para uma influência maior,
crescente e profunda.
Conforme relata,
Mastral sempre foi muito de estudar e que ocultismo, para ele, era expressão que
não significava apenas o conhecimento de esoterismos, senão de qualquer coisa
que estivesse fora do alcance do público, algo a ser desvendado. A curiosidade
o levou à seção de ocultismo do centro cultural de São Paulo.
Enquanto jovem, tentou
participar de uma igreja evangélica, na frente da qual constava uma mensagem
que dizia “todos são bem-vindos”. Estava todo paramentado com roupa alternativa,
cabelão de metaleiro e sentiu que havia um estranhamento dos crentes com
relação a ele. Se fosse bem-vindo, ninguém deveria ter estranhado a sua forma
de se vestir (pensou ele). Essa má reação dos irmãos fez com que ele não se
sentisse acolhido e abandonou o culto.
Um traço característico
que se mantém em seus depoimentos é a alta sensibilidade, em contraste com a
imagem exterior de marginal, dado a brigas de rua e atos infracionais, o que
marcou a sua juventude. Em “O Filho do
Fogo – volume 1”, o personagem é vítima constante de bullying e encontra na
reação agressiva uma forma de vingança e proteção, deixando de apanhar para
passar a bater.
Na década de 80, ele
pesquisou no consulado norte-americano por fichas de endereço da Igreja de Satã
(Church of Satan), do famosíssimo
Anton Lavey, e encontrou um endereço na Califórnia. Enviou uma carta em
português, respondida passados alguns meses, lamentavelmente, em inglês.
Inconformado, porque não sabia nada de inglês, mandou outra carta pedindo que
enviassem uma resposta em português, porque de inglês ele não entendia nada.
Passado um tempo, veio uma carta em português, informando que satanismo não era
para qualquer um, que depois que entrasse não tinha como sair e indagando ainda
se ele realmente estava interessado em se juntar. Ele preencheu uma ficha com
uma série de informações tais como hábitos, ascendência, descendência, data de
nascimento e o horário, a razão de ele os ter procurado, anexando fotos, endereço,
informando dados da família, se estudava ou em qual escola estudou.
E assim começava a
aventura de Mastral no mundo satânico.
Num desses dias, ele
estava estudando num canto do centro cultural, a biblioteca estava vazia, e
chegou um senhor que aparentava ter 38 anos. O homem invadiu o seu espaço
pessoal e forçou contato com ele de maneira tão invasiva que Mastral pensou se
tratar de uma abordagem homossexual, rejeitando os avanços da figura (ele diz
que era uma pessoa famosa, mas na época ela passava despercebida). O homem
esclareceu que não era nada daquilo que o aspirante a satanista, na época ainda
Marcelo, estava pensando e que o motivo da visita era o pedido de ingresso na
seita. O homem misterioso forneceu uma sequência de informações pessoais,
indagando que Marcelo confirmasse se era ele mesmo a pessoa que preenchia
aquela qualificação e que tinha pedido para ingressar.
-Você é aquele fulano
de tal que escreveu a carta e desejava se juntar a nós? Pois então, é por isso
que eu vim aqui.
O homem era cordial,
discreto, pagou-lhe um café, vários salgadinhos, deixou que ele pedisse
qualquer coisa na lanchonete e teve um bate-papo com Mastral.
Sobre esse personagem
de aura misteriosa é dito que manteve relações com a mãe do protagonista, logo
no início, dando a entender ser o seu verdadeiro pai. Posteriormente, esse
mesmo personagem, Marlon, é quem o introduz nos caminhos da seita e da doutrina
oculta. Sempre simpático, beirando “40 ou
42 anos, tez pálida e traços que lembravam uma descendência sírio-libanesa.
Usava um blazer de corte fino e elegante, preto, com camisa esporte clara. O
anel era claramente de ouro, bem como a grossa corrente ao pescoço e os
pequenos broches esquisitos na lapela. Reparei no tremendo rolex”. Isto é o
que há de descrição da figura, o público completou o resto, cogitando a
possibilidade de que o personagem na verdade seria o ex-presidente Michel
Temer.
O autor nega o paralelo
e até mesmo ironiza, falando que o próprio Temer citou o seu livro em um
discurso. Depois de muitos boatos e conversas do público, o assunto morreu
depois que Temer voltou para as sombras da política, após passar o seu período
enquanto Presidente da República.
Após o episódio
ocorrido na biblioteca do centro cultural, combinaram de aprofundar o encontro
em outra oportunidade. Já em outro dia, dirigindo um opala preto, o homem foi
buscar Marcelo em frente à Igreja do seu bairro.
Ele foi levado a uma
mansão de um bairro nobre de São Paulo, com lareira, lustre, mesas grandes e
muita opulência. Havia muitas pessoas e elas o trataram bem, mesmo que não
estivesse bem vestido (portanto, diferente do que ocorreu na igreja evangélica).
Havia pessoas que moravam na casa e outras 20 que se encontravam na mesma faixa
etária de Mastral, que na época contava com 17 anos.
Desceram ao porão, que
era iluminado e arejado. Existe casa ou mansão no Brasil com porão? Não sei...
Mastral salienta que
andava armado, tinha faca e arma de fogo (caso fosse uma emboscada ele estaria
precavido), mas ninguém se deu conta disso e nem houve necessidade.
Começou uma palestra,
um verniz da doutrina satânica ministrada com auxílio de um retroprojetor. Isso
ocorreu três vezes por semana, da casa para o centro satânico, deste de volta
para a casa. Era uma sessão de doutrinação segundo a qual os satanistas
realizavam a sua inversão típica, apresentado Deus como mau e o demônio como
bom, como injustiçado e oprimido. Deus é colocado como um tirano, punitivo, que
irá mandar a criação para a eternidade do inferno e que não há presença de amor
em seus atos. Mastral se refere a esse conjunto de aulas como sendo um programa
de lavagem cerebral.
A ficção de Mastral
desenha mansões e castelos no Estado de São Paulo, dedicados a altos encontros
satânicos, com salões elegantemente atapetados, variedade de bebidas e salas
especiais dedicadas aos exercícios místicos nos quais se direciona a energia do
corpo para adequá-lo à doutrina dos anjos caídos. Existe muito de
direcionamento da energia nessas sessões místicas, chakras, ki, são várias as
denominações dadas a energia, conforme as diferentes culturas do globo.
Num contexto
ritualístico, Mastral ressalta a importância do papel feminino para o satanismo,
o seguinte trecho é extraído de um de seus livros: “Por fim a mulher que punha os ingredientes tomou uma jarra e despejou
um pouco do seu líquido dentro do caldeirão. Parecia que havia acabado seu
trabalho. Tudo deve ter durado pouco menos de uma hora. Mais tarde eu vim a
saber que as mulheres são muito bem vistas dentro do contexto do Satanismo e da
Irmandade. Pois foi a mulher que teve a sabedoria de comer do fruto proibido e,
cheia de poder de sedução, ofereceu-o também ao homem” (O Filho do fogo -
Volume 1).
Findo o curso, fizeram
umas perguntas para saber se ele havia retido a doutrina, submeteram-no a
alguns testes de QI e de lealdade. A família dele passou a ser a irmandade, o nome
da seita era “filhos do fogo”, mas a seita satânica, como um todo, é
internacional.
Aplicaram uma série de
injeções no novato, alegando que eram imunizantes para deixá-lo mais forte e
retardar o envelhecimento. Desde então, Mastral sentiu ascensão meteórica no
campo profissional, pois os membros da irmandade ocupavam vários postos na
sociedade e, quando não estivessem em quadros profissionais estratégicos,
poderiam fazer magia para prejudicar aqueles que se mostrassem impeditivos às ambições
profissionais do colega luciferiano. E as coisas ocorrem de fato assim na ficção
dele, quando precisa de alguma coisa, ele faz um ritual, um trabalho,
exatamente como os macumbeiros. Quando não consegue por suas próprias forças,
chama alguém da irmandade com uma especialidade mais sofisticada das artes
obscuras, o que nos permite concluir que esse proceder satânico é uma espécie
de macumba dourada ou gourmet, sem aquela indumentária grotesca, da estética
suja, dos macumbeiros de branco, munidos de galinhas pretas, pipocas e velas em
centros sem aprumo.
Chegou num ponto em que
a seita exigiu que Mastral realizasse um sacrifício para ascender na
hierarquia, no que ele se mostrava relutante. Em paralelo, ele começou a
namorar uma mulher da igreja e frequentava os cultos, quando sofreu um desmaio.
Nesse contexto, ele travou contato com um dos pastores, contra o qual realizou
diversos trabalhos sem conseguir atingi-lo. Em uma das reuniões marcadas com o
pastor, Mastral se surpreendeu que ele havia comparecido, sinal de que o ritual
para atingi-lo havia falhado. O pastor o convence a entrar na sala para fazer
uma breve oração. Já dentro, ele notou que as janelas possuíam grade e que a
porta havia sido trancada, com a última lembrança sendo a da palma do pastor
crescendo em seu rosto e ficando tudo escuro. Ele passa por um exorcismo e a
sala fica destruída. Mastral descreve que passou a ter um sentimento de paz.
A virada de chave em
sua vida passa pela conversão ao cristianismo, em sua vertente evangélica. Com
uma estrutura mafiosa, ele diz que a seita o perseguiu depois que ficaram
sabendo de sua apostasia do satanismo, ameaçando-o de morte e matando seus
animais de estimação. Muita água correu até que ele conseguisse se desvencilhar
desse passado e viver normalmente.
Desde então, Daniel
Mastral tornou-se uma figura altamente popular em podcasts e redes sociais,
contando os seus vídeos com milhões de visualizações, além de uma massa de
admiradores, pronta para acreditar em todos os pontos alegados por ele, tanto
no aspecto biográfico quanto no aspecto escatológico.
Em suas manifestações, nota-se
sempre a aura do escolhido. Ele afirma que o número 9 é importante para o
demônio, porque a Bíblia diz que ele recebeu nove pedras, também a obra de
Dante é uma travessia entre os nove círculos infernais, descrevendo as punições
que os pecadores lá encontram. O demônio teria nove discípulos e Mastral mencionou
que um pregador teve uma visão na qual um desses discípulos abandonaria a seita
satânica e se converteria, dando a entender que esse ex-discípulo seria ele
mesmo, Daniel Mastral. Isso foi dito em uma das entrevistas.
Em suma, a sua mensagem
é a de que existem seitas satânicas e elas pretendem não só adorar o diabo e
entidades, como também governar o mundo. Para isso é preciso um gatilho, crises,
oportunidades em que uma nova proposta pode ser vendida de maneira mais
palatável ao público geral. Porém, o Apocalipse prenuncia a destruição, o fim
do mundo, e os satanistas, se o são de fato, creem em Deus. Se o Apocalipse é o
fim do mundo, não seriam os satanistas burros então? Nesse caso, ele recorre ao
conceito de arrebatamento. Com a grande tribulação, haverá uma massa que será
retirada da terra e conduzida para o céu, ou como dizem alguns, para a
Jerusalém celeste, e irá restar este mundo destruído para servir de base ao
reino satânico. Eles desejam instaurar o reino luciferiano sobre a terra após
essa fase apocalíptica, reinar sobre a massa destruída. Findo o período
histórico e consumada a escatologia, não haveria nenhum interesse de Deus em
intervir aqui neste mundo e o demônio então integraria este plano como um de
seus domínios.
E quanto ao inferno? Os
satanistas contam com o fato de que, sendo do time demoníaco, quando morrerem
será escolhido um lugarzinho bom no inferno para que eles possam prosseguir a
sua pós-existência terrena (afinal eles não são como os outros condenados, eles
são uma “nata”, fazem parte da irmandade), o resto vai para o “inferno dos
órfãos”, onde, aí sim, haverá muito sofrimento.
Assim, a doutrina
satânica é vendida com base em sofismas, falsas promessas e se baseia numa
falsa independência ou paridade do demônio com relação a Deus, recaindo no
velho maniqueísmo.
Em certo trecho do volume
2 de sua obra, ele nos traz uma cena na qual uma satanista mais experiente,
vinda dos States, se coloca a palestrar diante de seus correspondentes
brasileiros, é aí ele desenha a visão satânica acerca de entidades e continentes,
além de se jactar quanto aos planos luciferianos e seu cenário de maturação. A palestra dessa
suposta satanista, em resumo, passa a ressaltar o domínio cultural satânico,
traçar zonas geográficas, com o enfoque nos Estados Unidos da América.
Mesmo quando passou a se
contrapor ao satanismo, Mastral continuou acreditando piamente nesses traçados
feitos pela expositora, e a partir dessas páginas[2] ele
faz seus raciocínios sobre diversas questões de geopolítica e religião, ainda
que com uma chave invertida.
Assim é que, partindo
da base ficcional (que o autor alega se tratar de autobiográfica em sua quase
totalidade), chega-se ao ponto em que ele passa a interpretar também a política
das nações e as agendas internacionais, ora caminhando num sentido acertado e
razoável, ora recorrendo a narrativas altamente especulativas, dando-as como
certas. É digno de nota que os desinformantes seriam ineficazes se trouxessem
apenas fatos inexistentes e delirantes, eles precisam misturar as conspirações
verdadeiras com as conspirações falsas e chacoalharem tudo para produzir uma
mistura alucinógena que dificulta a interpretação do cenário como um todo.
No final das contas, o
que Mastral revela? Ele escreve sobre doutrina, encontros e rituais, mas não
revela nada nem ninguém.
Parafraseando o ditado
segundo o qual se fala o milagre, mas não o santo, Mastral fala muito sobre
rituais, contatos e acerca da existência de satanistas importantes nas altas
esferas da sociedade, em tom geral, pois não identifica nenhum em particular,
nem instituições privadas ou públicas que teriam conexões com uma seita
satânica. Os satanistas arranjaram para ele um emprego de relevo em uma
determinada empresa, Mastral não revela qual é a empresa nem quem era o gerente
vitimado pelos feitiços de sua seita para que ele pudesse ascender ao cargo de
alto executivo.
É alegado também que os
satanistas ocupam altas funções na sociedade, apresentando-se como empresários,
promotores, juízes, políticos, delegados, etc... Mas Mastral nunca identificou
nenhum, nem se antecipou a deixar um dossiê preparado contendo tudo o que ele
poderia ter revelado, mas não revelou, fosse qual fosse a razão para não o ter
feito (como, por exemplo, a de que foi um ajuste para parar a perseguição). As
pessoas consideradas arquivos vivos, marcados para uma queima, têm a péssima
mania de não deixar um documento preparado para impedir que seus adversários
sejam bem sucedidos na supressão da verdade.
Ele reproduz uma versão
da história altamente problemática, alimentando muitos mitos já endossados pelo
mesmo estamento internacionalista contra o qual ele alega se contrapor. Reproduz,
principalmente, mitos contra a Igreja Católica, lendas sobre as cruzadas,
falsificações sobre a Inquisição, além da consagrada mentira de que “Constantino
teria remodelado o cristianismo primitivo com a instauração de uma Igreja
Católica Apostólica Romana, com santos, sincretismos e etc...”, quando na
verdade o referido imperador apenas cessou a perseguição, mantendo a Igreja as suas
práticas e os quadros eclesiásticos até então existentes.
Ainda no campo
religioso, ele fala também da questão dos Nefilins, os tais gigantes bíblicos,
que iam de 2 a 4 metros. Também encontraremos menções ao mito de Ratanabá e as
pirâmides da Amazônia (inclusive com o acréscimo de que até Hitler sabia das
pirâmides da amazônia...).
Vindo para os tempos
modernos, ele repete o mito de que a Rússia manipulou a eleição dos Estados
Unidos em 2016 em favor de Donald Trump. Essa mentira é diretamente confrontada
pelo fato de que os próprios democratas estão conectados com os interesses dos
russos de longa data. Os arquivos trazidos à luz por Bukowsvi expõe a
diplomacia secreta do então Senador Joe Biden[3],
que na década de 80 havia dito não ter nada contra os soviéticos e que a
oposição era na verdade da boca para fora, como se não bastasse as conexões
dele (e de seu filho) com burocratas de Moscou, obviamente supervisionados pelo
Kremlin. A afirmação de Mastral segundo a qual a CIA teria provado a manipulação
das eleições norte-americanas, pelos russos, em favor de Donald Trump em 2016 é
completamente delirante e falsa.
No aspecto teológico,
encontramos uma das manias mais perversas, mas que, ditas num tom fofo e
inofensivo, passam por delicadezas impossíveis de serem confrontadas, mas aqui
nós o faremos. Falo sobre a detestável simplificação que reduz Deus a “amor”.
Isso de “Deus é amor” é frequentemente usado como subterfúgio para escapar da
higidez doutrinária e legitimar heresias, deformações do credo e da própria
história cristã. Para além do amor, existe um corpo doutrinário muito bem
definido e mandamentos explícitos, contra os quais ninguém pode se opor sem o
afastamento da graça divina, com a respectiva condenação ao inferno, que não é
obra de Deus, mas sim angélica, dos demônios caídos, embora com a óbvia
permissão divina.
É com base no
tratamento equivocado da questão do amor que se explica a facilidade com que se
troca de posição teológica, como se o discurso tivesse se convertido em
falsidade pelo simples fato de o fiel não ter se sentido acolhido, como se o
ponto determinante fosse uma experimentação que navega na subjetividade, típica
da fluidez arbitrária provocada pelo abandono de dogmas, aliás, dogmas gerados
por longas e intensas discussões em concílios.
Mastral não se sentiu
bem na igreja que frequentava, não se sentiu acolhido, e então resolveu sair.
Ele mensura o acerto ou o desacerto de questões teológicas com base no conforto
e na agradabilidade que elas são capazes de lhe proporcionar, um critério que
não faz sentido algum, pois são as normas que devem orientar a conduta, e não
esta as normas, sob pena de mundanizar a Igreja. Algo que nunca funcionou e
que, quando tentado, sempre fez com que as igrejas cessassem de serem igrejas.
É atribuída ao Papa
João Paulo II a citação segundo a qual os brasileiros são católicos no coração,
mas não na fé, dando a entender que nestas terras o dogma encontra dificuldades
de absorção. Por isso, se uma pessoa dessas encontra um padre grosseiro, a
doutrina vira falsa, como se o conjunto discursivo teológico não existisse por
si, indiferente aos humores e idiossincrasias de ocasião, ou seja, àquilo que
Mastral tomou como fator determinante em inúmeras ocasiões.
Mastral fala bastante
sobre a questão das inoculações e sobre alguns globalistas proeminentes, como
Bill Gates. Esse papo de globalismo se espalhou e é mais aceito atualmente do
que era alguns poucos anos atrás. Isto se explica pelo fato de que, antigamente,
apenas vozes conservadoras e patrióticas cultivavam informações acerca das iniciativas
internacionalistas e enxergavam a cisão que elas visavam produzir entre os estados
nacionais, seus povos e as elites interessadas no domínio hegemônico. Tais
vozes suportavam com firmeza as tentativas de enquadrá-las com pechas de conspiração,
mas o seu discurso foi reforçado quando um dos esquemas globalistas acorreu
para denunciar o outro, valendo-se, nesse ato, de diversos pontos levantados
contra o globalismo ocidental. Assim, a máquina de propaganda dos neocomunistas
(globalistas vermelhos), impulsionou diversas alegações já feitas contra os globalistas
brancos, é verdade que impulsionam também vários pontos problemáticos que mais
confundem do que esclarecem.
Todos esses pontos passam
despercebidos da lente mastraliana. Considero-o um sujeito muito simpático, mas
cujas pretensões de conhecimento do oculto estão muito acima do que o cenário
permite, ele faz uma mistura excessiva de conspirações baseadas em fatos reais
com elucubrações próprias sem lastro, fruto da mitologia contemporânea. O mais
curioso é que não encontrei nenhuma voz querendo tachá-lo de teórico da
conspiração, enquadrando-o como louco, que fala naturalmente sobre diversos temas
que, ditos por outrem (principalmente se vinculado à direita política),
poderiam gerar xingamentos imediatos. Ao contrário, Mastral dissertava sobre os
temas mais espinhosos, como inoculações, guerra biológica, Adrenocromo para as
elites, sem sofrer nenhuma interrupção ou ridicularização e, aliás,
frequentando os podcasts mais visados do País. Quanto mais avançava nesses
assuntos, mais era convidado.
A hipótese de um
desinformante profissional não me parece sólida, eu penso que ele de fato
acreditava no que dizia. Essa confusão genuína que ele faz possui forte veia
teológica freestyle típica do meio pentecostal, que navega aos sabores das
profetadas, sem a base milenar e doutoral da Igreja.
Dissipar os mitos
históricos é mais fácil do que os filosóficos, e dissipar estes muito mais do
que os de nível teológico. Infelizmente, Mastral não teve tempo de dar esse
salto qualitativo, nem parecia estar em busca de pesquisar fontes substanciais
ou adicionais sobre seus tópicos de interesse.
As circunstâncias de
sua morte alimentam hipóteses e teorias. Ele estava em uma fase de reconstrução
da vida, após a ex-esposa e o filho terem falecido, ambos acometidos por um
quadro depressivo grave.
Sobre a morte do
escritor, encontram-se basicamente duas respostas sobre a mesa. A primeira
trata da hipótese de queima de arquivo, pois, segundo dizem, ele sabia
demais, ou teria “dado com a língua nos dentes”. Estava com uma nova esposa,
outro filho e, como se não bastasse, havia enviado mensagens a um amigo pouco
tempo antes, indicando que ainda havia muita coisa a ser dita: que revelaria
nomes e apresentaria coisas que nunca havia apresentado antes.
Por fim, há a hipótese
de suicídio, baseada na ideia de que ele não teria conseguido superar o
quadro depressivo que o acometia, além de não suportar as consequências à sua
honra que uma investigação criminal poderia causar, tendo por objeto a alegada
hipótese de suicídio assistido da ex-esposa (ele confessou que passou a noite
monitorando o pulso dela, que estava tomando remédios para depressão e tudo
indicava que exagerou na dose).
Nessa última linha de
raciocínio, trabalha-se também com a hipótese do suicida que, momentos antes,
deseja montar uma base para a impressão de que não está se matando, que procura
deixar em suspenso a probabilidade de ter sido vítima de forças ocultas por ser
alguém crucial, prestes a revelar algo. Ou seja, tal forma de pensar pressupõe
uma personalidade vaidosa, que quer ser vista como o grande desvelador das
intenções ocultas...
Não foram encontrados
sinais de que havia terceiros no local de mata para onde ele se dirigiu
espontaneamente e sozinho. Ainda assim,
há quem jure, de pés juntos, que houve de fato uma queima de arquivo. Cada um é
livre para acreditar no que quiser. Por mim, devemos considerá-lo sobretudo
como um ficcionista brasileiro, um olhar atento e benigno saberá extrair de sua
literatura a excitação imaginativa cujo verossímil é combustível para desdobramentos
artísticos com essa mesma temática de misticismo e sociedade secretas. Espera-se
que um escritor exerça a liberdade criativa, pouco importando que os fatos expostos
sejam reais ou não, mas é interessante deixar o público ciente de que existem
movimentações feitas nas sombras, por elites discretas (ou secretas – vale salientar
que há diferença nesses dois termos).
Não encontraremos aprofundamento
psicológico e altos debates filosóficos travados entre os personagens, com toda
aquela tensão moral colocada diante do leitor, mas os escritos de Mastral possuem
a virtude da simplicidade, são fáceis de ler e cumprem essa função de excitar a
imaginação, de confabulações que ocorrem no Brasil, com elites e pessoas
importantes, sem fechar o quadro conclusivo, como o próprio autor nunca fechou,
mesmo quando tinha a oportunidade de fazê-lo.

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