quinta-feira, 26 de junho de 2025

Denúncias emocionadas sobre recrutamento ucraniano, bico fechado quanto ao dos neocomunistas

 

Descobrindo o sol: recrutamento militar obrigatório é instituição ao alcance dos Estados contemporâneos

 




 

Com a eclosão de guerras, adotam-se novas medidas de recrutamento ou reforçam-se as que já existem, o que ocorre maneira generalizada, na medida em que a expansão do serviço obrigatório por uma das partes coloca a outra em desvantagem, que se vê forçada a seguir o mesmo rumo.

Questão sensível, em que burocratas mandam que os outros morram nas trincheiras e campos minados.

Mas o que tem chamado a atenção do público é aquilo que se tem compartilhado como truculência do recrutamento de soldados ucranianos. É comum circular nas redes sociais vídeos sobre isso, engrossando o coro do falso pacifismo pregado pelos simpatizantes do discurso neocomunista, que enfatiza a agressividade ucraniana quando do recrutamento ao mesmo tempo em que isenta a mão pesada que cai sobre a própria juventude russa, a qual também se vê forçada a lutar.

Ao todo, mais de um milhão de russos fugiram do país para evitar o alistamento, havendo registros fotográficos do grande fluxo de pessoas em direção aos países satélites, muitos dos quais ex-repúblicas soviéticas, sem o grau de controle fronteiriço padrão europeu[2].  Há notícias de violências praticadas contra centros de recrutamento, chegando a causar mortes, incêndios e explosões.

Buscando componentes para as ondas humanas, a KGB-FSB, desde que a guerra começou, tem procedido a visitas em fábricas e locais de trabalho, obrigando pessoas a subirem em ônibus e serem despachadas para a denominada “operação especial”, tendo a federação russa imposto a empregadores a obrigação de denunciarem pessoas em idade apta para o combate. Enquanto o propagandista do Kremlin, Vladimir Solovyev, defendia ardentemente a guerra dos comunistas contra a Ucrânia, seu filho Danill Solovyev estava seguro em Londres, seguindo carreira própria[3].

O regime vermelho é o mesmo que possuía a prática de limpar campos minados com soldados rasos, além de manter batalhões penais para julgar aqueles que retrocedessem, por qualquer motivo que fosse.

Nas circunstâncias atuais, as imprecações são feitas no seguinte tom:

"Pessoas estão morrendo, isso precisa parar"

"A Ucrânia força os ucranianos a lutarem"

Basta consultar a demografia russa para constatar como a cultura assassina em massa gerou graves consequências. A população russa conta com cerca de 143,8 milhões, número pífio para um país tão grande, ainda que se leve em conta que poucas regiões podem ser consideradas adequadas para a ocupação humana.

A Ucrânia enfraquecida seria incorporada ao território russo, ou seja, os comunistas ganhariam em seu território uma população de cerca de 37 milhões de ucranianos, além de áreas férteis e recursos adicionais. O que ia acontecer não é que pessoas parariam de morrer, ao contrário, o governo russo passaria a poder recrutar ucranianos para lutarem nas invasões futuras planejadas pelo Kremlin, essa população ucraniana passaria a compor o recurso humano do qual se poderia exigir serviço militar. Ganhariam recursos, indústria e homens.

Ou os ucranianos morrem defendendo o seu país ou, anexados ao regime do Kremlin, morrerão com o recrutamento forçado que o exército russo demandará deles, porque eles vão fazer parte do "novo império soviético" e terão seus deveres perante o Estado.

Sem contar o modus operandi das forças policiais dedicadas à perseguição política e execução sumária à moda dos vermelhos, que nutrem o hábito de ter listas preparadas para os seus alvos quando ganham domínio sobre um novo espaço territorial e usam o terror como forma de submissão e adestramento da população local. O massacre sobre populações desarmadas é mais intenso e prazeroso para eles do que no campo de batalha, os assassinatos de Katyn e de Bucha estão aí para provar.

O recrutamento obrigatório é instituição consolidada nos Estados contemporâneos e que o comunistófilo Vance e Allan dos Santos parecem fazer de conta que se trata de uma coisa extraordinária. Mesmo os que não instituíram, podem fazê-lo com uma votação no parlamento e com uma canetada dos seus respectivos presidentes, se não o fizeram é porque simplesmente não precisaram. Caso estivessem na mesma situação ucraniana, implementariam esse recrutamento em menos de uma semana.   

Mas de repente, escutam-se vozes da imprensa, seja à direita ou esquerda, falando num tom como se o recrutamento obrigatório fosse questão exclusivamente dos adversários da Rússia.  Não sabemos se os indignados com as convocações de soldados se fingem de bestas ou se realmente nasceram ontem.

Sim, na Ucrânia tem recrutamento obrigatório.

Sim, a Rússia também convoca jovens para lutar no exército obrigatoriamente. E mais, o tratamento que os russos dão aos integrantes do exército é dos mais deploráveis, os comandantes militares se aproveitam da posição hierárquica para determinar a soldados que desempenhem tarefas menores para amigos, estranhas à função militar, como se fosse um mujique ou servo que se empresta a outrem como favor.

E mais, o Brasil também tem alistamento obrigatório, se entrarmos em guerra uma massa de homens será convocada para lutar, querendo ou não, isso foi assim desde a República velha.

 

 

"Foi somente durante a Primeira Guerra Mundial (1914- 1918), após uma intensa peregrinação liderada pelo poeta Olavo Bilac (1865-1918), entre 1915 e 1916, que o Serviço Militar passou a vigorar de forma obrigatória. Essa campanha teve o propósito de demonstrar nas principais cidades brasileiras, por meio dos políticos mais influentes, a necessidade de obrigatoriedade do Serviço Militar e sua importância para o exercício da cidadania (BRASIL, 2014). Dessa forma, em 10 de dezembro de 1916, foi realizado o primeiro sorteio para o SMO, em uma solenidade aberta à população e com as presenças do Presidente da República, do ministro da Guerra e de Olavo Bilac. Como homenagem pelo seu esforço, Olavo Bilac foi denominado Patrono do Serviço Militar Obrigatório, e sua data de nascimento foi escolhida como o Dia do Reservista (BRASIL, 2014). Após decretos sem grandes mudanças para a condução do serviço militar, em 1918, 1920 e 1939, o Decreto no 7.343 de 1945 trouxe uma substancial mudança na condução do SMO. Seu primeiro artigo mencionava a extinção do sorteio militar, e o segundo determinava a convocação obrigatória dos brasileiros, alistados ou não, para se apresentarem, no ano em que completassem 21 anos de idade, nos lugares estabelecidos pelo ministro da Guerra, atendendo à prestação inicial do serviço militar (BRASIL, 2014)". (COSTA NETO, Armando da SIlva. A HISTÓRIA DO SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO. p. 226/227)

 

Ao que parece, é como se as pessoas estivessem descobrindo só recentemente que recrutamento obrigatório existe, experiência que começou bem antes da Revolução Francesa, esclarecendo Jouvenel acerca do cenário prussiano que:

 

Tal era o espírito do famoso regulamento de 1733. O serviço militar, a condição de reservista, a mobilização em tempo de guerra, tudo é obra prussiana. Os escassos recursos humanos e financeiros desse povo em seus começos levou um Poder ambicioso a um grau de utilização da força nacional até então desconhecido. A Prússia, ainda pequena em relação à França, apesar do crescimento consecutivo a suas gloriosas vitórias, contava às vésperas da Revolução com 195 mil homens, contra 180 mil na França. E esses 195 mil homens lhe custavam, grande vantagem de seu sistema, menos da metade do que a França pagava para manter um exército menos numeroso. Cento e oitenta mil soldados franceses, 195 mil prussianos, 240 mil austríacos: esses dados mostram bem a passividade da França no fim da antiga monarquia, surda aos apelos que lhe vinham da Holanda em 1787, da Bélgica em 1789, deixando passar as ocasiões de fechar finalmente essa "porta aberta aos inimigos da França", sua fronteira nordeste. (JOUVENEL, p. 190/191)

 

Já no contexto do movimento revolucionário francês, atesta-se:

 

“A era da carne de canhão. Essa decisão da Convenção, de 23 de agosto de 1793, foi acompanhada de medidas que lhe deram efeito. Em 1794, 1.169.000 homens figuram nas listas militares francesas. Uma nova era se inaugura na história militar, a da "carne de canhão". Nenhum general do Antigo Regime teria ousado lançar seus homens por colunas profundas sob o fogo do inimigo. Folard, que o propusera, não pôde se fazer escutar. A ordem vigente, que não tomava nenhuma decisão categórica, poupava os homens. Os generais da Revolução Francesa e do Império os utilizaram à vontade: o Poder lhes permitia requisitar a nação francesa inteira. A História dirá que esses massacres foram o começo do declínio da população e da energia francesas. Em 1798, a Lei Jourdan formaliza o sistema da requisição humana. Homens de 20 a 25 anos, cinco classes que somam um milhão de homens, serão obrigados ao serviço militar, a lei decidirá quantos deles serão dispensados e o sorteio designará os conscritos. A cada ano a classe de mais idade poderá ser reconvocada, e uma mais jovem convocada. É o sistema que Napoleão utilizará: vemo-lo primeiro tomar oitenta mil homens em cada classe, até que, preparando a campanha da Rússia, ele convoca 120 mil homens da classe de 1810; depois dos desastres, vemo-lo requerer 150 mil homens da classe de 1814 e reconvocar trezentos mil das classes que inicialmente havia poupado. Ao todo, de setembro de 1805 a novembro de 1813, ele exigiu da França dois milhões e cem mil homens, além dos soldados regulares da República. Como a Europa teria podido lutar, se não tivesse recorrido a práticas semelhantes? Muitos dirigentes só aceitaram com dificuldade tais medidas, cuja barbárie sentiam. Adotadas, elas permitiram esmagar numericamente Napoleão.  A vantagem inicialmente obtida pela França por métodos intensivos de exploração do potencial humano perdeu-se quando os rivais passaram a imitá-la. O balanço das forças internas fazia prever a derrota francesa em 1793 e 1794. A convocação em massa impediu isso. Com a equiparação dos métodos, a França nada ganhou com esse adiamento de um prazo fatal”. (JOUVENEL, p. 191/192)

 

A contagem de corpos é tarefa muito difícil em questões históricas, o que faz com que os especialistas precisem recorrer a estimativas. As mortes não são apenas as ocorridas nos campos de batalha, mas principalmente as agravadas por questões de doenças decorrentes de más condições enfrentadas pelos soldados. Estima-se que as campanhas napoleônicas tenham ceifado a vida de até 1,3 milhão de franceses[4].

Como toda medida estatal implementada que amplia o poder burocrático, este não retorna à sua configuração pretérita e os novos mecanismos tendem a se tornar permanentes.

A existência da obrigatoriedade do serviço militar já não deveria ser surpresa para mais ninguém, a não ser que o objeto da discussão fosse o serviço militar compulsório em si, como questão abstrata, portanto alheia a conflitos em andamento, mas não é isso que se escuta, pois o centro da discussão é a compulsoriedade existente do lado ucraniano, e somente nele... Por tal razão, deve ser frisado que a problematização da questão da obrigatoriedade militar não gira em torno sobre a justiça ou injustiça dessa medida, mas sim em colocar a questão de maneira tal que a opinião pública se convença de que um dos lados está se utilizando de práticas abusivas e fora da curva, não de algo que praticamente todos os Estados fariam em circunstâncias semelhantes.

Qual é o sentido de fazer-se de besta e enfatizar o recrutamento ucraniano enquanto se ignora a brutalidade de russos contra os próprios russos? Aonde é que querem chegar? Por acaso descobriram o sol? Essa é uma questão que fica para Allan dos Santos, JD Vance e demais comentaristas que tem seguido a mesma linha de manifestação, puxando saco do filocomunismo de setores inflitrados na direita norte-americana. Pergunto, vão colocar vídeos de russos sendo empurrados para o serviço militar, alguns mesmo tirando a própria vida no campo de batalha ou desertando, para denunciar a compulsoriedade do regime socialista do Kremlin também?

 

DUFAUR, Luís. Balcanização da Rússia será um perigo maior. https://flagelorusso.blogspot.com/2023/10/possivel-balcanizacao-da-russia-um.html

Russos fazem fila nas fronteiras para fugir do recrutamento e levam governo a proibir a saída. https://areferencia.com/europa/russos-fazem-fila-nas-fronteiras-para-fugir-do-recrutamento-e-levam-governo-a-proibir-a-saida/

População do Ucrânia hoje. https://populationtoday.com/pt/ua-ukraine/

Ending military conscription. https://www.semanticscholar.org/paper/Ending-military-conscription-Poutvaara-Wagener/681dabdb114b099e894ab878140fae064a4fb49a

JOUVENEL, Bertrand. O Poder: história natural de seu crescimento. Editora Peixoto Neto.

Russos fazem fila nas fronteiras para fugir do recrutamento e levam governo a proibir a saída. https://areferencia.com/europa/russos-fazem-fila-nas-fronteiras-para-fugir-do-recrutamento-e-levam-governo-a-proibir-a-saida/

LENTZ Thierry. Napoleão foi responsável pela morte de “milhões de soldados”? https://www.napoleon.org/en/history-of-the-two-empires/articles/bullet-point-6-napoleon-responsible-deaths-millions-soldiers/



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