quinta-feira, 19 de junho de 2025

Propagandista alemão Hubert Seipel recebeu 600 mil euros para escrever um livro pró-Kremlin

 

Foto retirada de: https://odessa-journal.com/a-german-publishing-house-has-ceased-the-sale-of-books-about-putin-by-journalist-hubert-seipel-the-release-of-these-books-was-funded-by-the-billionaire-alexey-mordashov#!


Em um mundo de ideologias pós-modernas que controvertem acerca da existência de conceitos morais como Bem e Mal, encarando a consciência humana como mera construção social, Hubert Seipel foi além dessas discussões. Ele não só sabia que tinha uma consciência, como resolveu vendê-la por um preço nada módico para o governo russo.

Segundo documentos vazados do sistema financeiro do Chipre, o jornalista alemão recebeu nada menos que 600 mil euros para publicar um livro impulsionando as narrativas de Moscou para o público europeu. Essa quantia, convertida em moeda nacional, seria o equivalente a três milhões de reais. O pagamento seria para a publicação de um livro sobre a situação política russa, obra lançada no ano de 2021 com o título “O poder de Putin” (em alemão Putins Macht)

Seipel ainda publicou, em 2015, livro com a mesma temática sob o título “Putin: o poder visto de dentro “(em alemão Putin: Innenansichten der Macht).

Além de livros, o jornalista produz documentários para a emissora alemã NDR, por meio dos quais transmite ao público alemão uma série de entrevistas com o governante russo. Em 2021, durante uma entrevista na rádio, Hubert foi perguntado se havia recebido algum pagamento para fazer cobertura favorável ao governo russo, ele negou de forma enfática e com pose de indignação.

O propagandista teria recebido esses valores de uma offshore mantida por Alexey Mordashov, oligarca pertencente à órbita do poder de Moscou, tendo sido testemunha contratual o advogado Dmitry Fedotov, que trabalha para Mordashov.

As notícias que circulam sobre o método de propaganda nas redes sociais já denunciavam a existência de uma rede pulverizada de perfis dedicados a repetir os mesmos tópicos da agenda de Moscou, sendo que recentemente houve até mesmo confissão da existência de fábricas de trolls, cuja função seria a massificação de postagens voltadas a influenciar a opinião pública doméstica e estrangeira. Na ocasião, Yevgeny Prigozhin, que posteriormente viria a se tornar inconveniente ao Kremlin, talvez por ter o hábito de falar em demasia, confessou que não só mantinha uma fábrica de trolls, enganando os inimigos ocidentais, como continuaria a enganá-los no futuro.

Não obstante, o caso de Seipel é de uma figura pública, aparentemente imparcial, que se apresenta na condição de especialista para o público geral. Ele teria acesso fácil ao presidente russo para entrevistas, contando com o diferencial de “ser um dos poucos que conhecem Vladimir Putin tão bem”, podendo se gabar de tê-lo encontrado mais de 100 vezes.

O propagandista tenta se defender, apesar de confessar ter mesmo recebido valores, não confirma o montante recebido, acrescentando ainda que faz exigências aos contratantes que garantem a sua independência e imparcialidade para elaborar os escritos. Perguntado se as pessoas que integram a sua equipe de reportagem não questionaram esse vínculo, o propagandista respondeu que ninguém nunca havia perguntado nada sobre relação alguma.

Contra as acusações de propagandista, ele rejeitou a ideia de ser um agente de influência do Kremlin, já que não teria sido pago por nenhum órgão oficial do governo russo: “O dinheiro não veio de nenhum órgão de segurança ou de estado”, disse o propagandista.

Durante o período de transição da União Soviética para a Federação Russa, houve um programa controlado de privatizações pelo qual o poder central logrou formar vários de seus megaempresários. Por uma via indireta, aparentemente desvinculada do governo, essas fortunas capitalistas poderiam celebrar contratos mundo afora atendendo aos interesses da nomenklatura neocomunista e seus ditames. O pacto entre a FSB (KGB) e os novos ricos era a bipartição entre poder político e poder financeiro: os herdeiros do marxismo-leninismo continuariam responsáveis pelas decisões políticas e os oligarcas poderiam receber a fatia do bolo das estatais e do capitalismo permitido pelo governo, atuando dentro dos limites dessa cerca enquanto se mantivessem leais ao governo, sob a pena de serem expropriados, presos por “fraudes tributárias” ou caírem de alguma janela de hotel.

Além de conseguir manipular o empresariado biônico, a inteligência russa pode fazer o mesmo na rede de máfias que se espalha para além de suas fronteiras, que encontrou nos fins dos anos 80 e 90 um ambiente caótico conveniente para se desenvolver e operar.

Por esse modo de agir, o contrato pode ser celebrado com jornalistas europeus e americanos, que se isentam de quaisquer intenções perniciosas à soberania de seus países, alegando estarem apenas apresentando um ponto de vista protegido pela liberdade de imprensa, negada nos domínios do entrevistado, como é exatamente o caso de Hubert Seipel.

Anatoliy Golitsyn já apontou que um dos objetivos estratégicos da União Soviética era afastar a Europa da posição de aliada dos Estados Unidos, tornando esse bloco de países em um conjunto neutro ou francamente hostil à influência norte-americana, o que parece ser a linha dos movimentos ditos conservadores e direitistas europeus, mesmo os de fora da Alemanha, que macaqueiam o discurso racial do terceiro reich como se tivessem base para isso e nutrem simpatias para com o neobolchevismo e eursasianismo, ideologias a fim de maquiar o regime neocomunista de Moscou e torná-lo mais palatável.

Já em 1984, Golitsyn elencava entre os objetivos do eurocomunismo a “penetração no Ocidente de técnicas de desinformação, já testadas em sua eficácia, para sugerir a evolução dos partidos eurocomunistas em partidos nacionais independentes e liberalizados” a fim de “preparar o terreno para uma eventual liberalização na União Soviética e na Europa Oriental e para a promoção massiva da dissolução da OTAN, do Pacto de Varsóvia e da presença militar americana numa Europa neutra e socialista” (p. 337/338)

O mundialismo da ONU aglutina as nações com base na lábia, suborno e ideologia, mas a tradição comunista, que é muito mais velha, pode fazer o mesmo e não há razão para descartar uma abordagem pacífica, trazendo para o seu lado os países europeus também com base na lábia, suborno e ideologia. A Alemanha é uma das peças principais para se atingir o objetivo de vitória dos comunistas, assim era antes mesmo de a OTAN vir a existir, quando Karl Marx prognosticava o triunfo da revolução, ou ainda, anos depois, quando Aleksandr Dugin lamentava que o nacional-socialismo não tenha se aliado à União Soviética numa frente única antiocidental.

O discurso produzido pelo propagandista Hubert vem a calhar nessa tentativa de aproximar as correntes europeias ao regime de Moscou, e esse escritor é apenas um dos agentes de influência desmascarados, pois muitos outros continuam repercutindo uma imagem de possível harmonia entre os sentimentos nacionais e uma tradição inveteradamente comunista.

Em seu livro de 2021, Seipel inicia descrevendo o movimento de caça às bruxas que ocorreu em Salem, nos Estados Unidos, extraindo desse quadro um ambiente de fanatismo, para então fazer uma analogia com as denúncias feitas pelo Senador norte-americano Joe McCarthey, o qual atuaria numa atitude anticomunista histérica que só poderia ser explicada com base em fatores psicológicos da mentalidade perturbada do Senador.

Um traço fundamental entre os pseudonacionalistas, os que manifestam apoio ao regime russo e chinês, é justamente esse: eles agem com base na ideia de desaparecimento da ameaça vermelha, precisam impor a concepção do comunismo como uma ideia morta, que não encontra agentes reais e ativos no século XXI. Por essa linha, Rússia e China não se enquadrariam como regimes comunistas, o pseudonacionalista tenta descaracterizar o sistema político chinês como qualquer outra coisa, alegando que reformas econômicas teriam transformado a China “em alguma outra coisa”, como se a tradição marxista não fosse flexível o suficiente para trocar de pele como as cobras fazem.

Somente com base nessa imposição, a de considerar o anticomunismo uma posição antiquada e vazia, típica do fanatismo protestante contra as bruxas de Salem, é então possível trabalhar a imagem da Rússia sem a mácula dos gulags, sem um sistema totalitário assassino que conta com cerca de 100 milhões de mortes, sem tendência internacionalista, sem financiamento a terrorismos e fomento a cartéis de drogas, em suma, o regime criminoso é simplesmente deixado de fora da equação ou considerado tão criminoso quanto os regimes ocidentais supostamente seriam. O propagandista não protege só o neocomunismo russo, ele também tenta retirar a seriedade das críticas feitas por Donald Trump com relação à China, classificando a sua convicção de que o coronavírus é um vírus chinês como sendo uma atitude quase religiosa (ou seja, estritamente fanática).

  Certamente não devemos esperar que Seipel tenha desapontado o cliente que pagou pela elaboração da peça de propaganda. No documentário, Vladimir Putin aparece caçando veado-vermelho na Sibéria, dirigindo por Moscou em sua limusine ao lado de Seipel, em outra cena tendo a orelha lambida pelo seu cachorro, além de aparecer jogando hóquei. Segundo o The Guardian, o documentário foi visto por 1,85 milhões de pessoas quando primeiramente foi veiculado em 2012 e repetido cerca de 51 vezes na rede alemã NDR.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

GOLITSYN, Anatoliy Meias verdades, Velhas mentiras – A estratégia comunista de embuste e desinformação. Tradução Nelson Dias Corrêa. Vide Editorial. Campinas, SP. 2018.

SEIPEL, Hubert. Putins Macht- Hoffmann und Campe Verlag, Hamburg (2021)

Top German journalist received €600,000 from Putin ally, leak reveals. https://www.theguardian.com/world/2023/nov/14/german-journalist-putin-hubert-seipel

Ich, Putin - Doku von Hubert Seipel (2012) - eine Arbeit des Lobby – Journalisten. https://youtu.be/NsriJYPf3Rs?si=M8ZrLHmwly9-Op1I

 


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