quarta-feira, 2 de julho de 2025

General confessa que está cagando para a legitimidade das decisões da facção política do judiciário

 

Após inaugurada a República em 1889, as décadas que se seguiram foram o Exército reprimindo movimentos populares a fim de estabilizar a nova forma de governo, assim foi em Canudos, assim foi no Contestado, outros choques envolviam aquarteladas nas quais os próprios militares matavam-se uns aos outros.

Engana-se quem pensa que o Brasil é um País pacífico. A República Velha, período sucessor da República das Espadas, foi uma das épocas mais podres e medíocres da história brasileira, contando com alguns dos seguintes eventos: fraudes eleitorais, vacinação forçada (hoje disfarçada do nome compulsória), domínio oligárquico sobre o Estado, forças armadas subjugadas para o atendimento de interesses politiqueiros específicos, produtos primários marcando a economia nacional, um formalismo republicano e federalismo que marcava o predomínio real de caudilhos e coronéis, quaisquer que fossem as leis e seu conteúdo.

Com o tempo, reações dentro do meio militar começaram a surgir, em 1922 tivemos o movimento tenentista, cujas consequências resultariam ainda na Revolução de 1930, que efetivamente quebrou a República Oligárquica do café com leite.

Em suma, mesmo tendo sido o fator inicial para o advento da República, o Exército serviu de capanga das oligarquias por um longo período. Como os acontecimentos tendem a ser cíclicos, em 2024 obtemos a amostra de como uma cadela de oligarcas do início do século XX falaria se tivesse que se justificar nos tempos atuais, basta olhar as declarações do General Paulo Chagas:

Independente da legitimidade ou não de um processo judicial e com todo o respeito a quem pensa de outra forma, não compartilho da ideia de que, diante das leis e dos regulamentos, os Oficiais Generais devam ser tratados de forma distinta dos demais cidadãos ou militares. Eles não podem ser considerados inimputáveis, pois não são insanos nem desprovidos de discernimento, pelo contrário. Muito menos são dotados de tamanha pureza que os torne incapazes de cometer deslizes. Mesmo ocupando o topo da hierarquia militar, é absurdo imaginar que estejam imunes a transgressões. São humanos, sujeitos às mesmas imperfeições que qualquer outra pessoa. E, como tal, devem ser vistos e tratados, sem privilégios, sob o rigor das leis e dos regulamentos. Por Paulo Chagas

Essas declarações ocorreram em razão da prisão do General Braga Netto no último sábado (14/12/2024), sob o pretexto de risco à atividade probatória de investigações sobre golpe de Estado. Braga Netto foi candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro em 2022, o qual também se encontra na mira das investigações da facção oligárquica.

Com a articulação pela facção política de diversos setores investigativos e judiciais, o trabalho de desgaste de seus adversários tem recebido notável prioridade a partir da eleição do Presidente Donald Trump em novembro deste ano, a oligarquia percebe uma janela de oportunidade para tomar determinadas ações com receio de possíveis obstáculos no ano de 2025.

A publicação se deu um dia antes de um deputado federal (Mário Frias) ter constatado a realidade da caserna, disse ele:

Alguns irão se chatear com o que vou dizer, mas é necessário que eu diga, para que possamos encerrar de vez uma das ilusões que nos aprisionam no debate político. Convivi com oficiais das mais altas patentes das Forças Armadas, eles são, via de regra e com raras exceções, bichinhos de estimação da elite plutocrata que domina o país. Toda a mística de combatentes destemidos é uma farsa, são, desde a academia militar, adestrados a terem um temor servil e quase religioso por cargos e títulos burocráticos. É uma casta oligárquica de segunda linha, deslumbrada com qualquer possibilidade dum carguinho na máquina pública. Vivem no próprio conto de fadas, em que o ego é massageado pelo exercício da hierarquia militar, o lugar seguro em que uma caricatura de autoridade é erguida através dos privilégios e da pompa militar. São muito valentes com subordinados, que não possuem meios de defesa contra arbitrariedades, mas são completamente servis aos que estão acima deles na burocracia estatal. A prisão do honrado General Braga Neto (uma dessas raras exceções) é só mais um demonstrativo do quão baixo seus pares chegaram para servir aos interesses da facção que está no poder. Vocês são uma vergonha para a nação e entrarão para história como a geração de covardes que são!


https://x.com/mfriasoficial/status/1868073295054025210

https://x.com/GenPauloChagas/status/1868133048551669934


A farsa do "legalismo" dos militares

 



Qual é a conversa que se escuta quando as Forças Armadas se tornam objeto de discussão? A de que os militares são legalistas, eles seguem a letra da lei e da Constituição, não importando a quem aproveite o seu cumprimento. Dito dessa forma, a posição das Forças Armadas, e das polícias em geral, se torna muito razoável, compreensível, debelando críticas que poderiam surgir por conta de alguns de seus atos recentes.

O art. 142, caput, da Constituição assevera que “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Ora, ninguém é contra a legalidade. Respeitar a lei e a Constituição é um consenso formulado para fins de pacificação social e estabilidade, o ideal do Estado de Direito, assim que cunhado, se estabilizou como fator que torna os sujeitos iguais e possibilita segurança jurídica que dá ao cidadão certo grau de previsibilidade das ações do Estado e dos limites admitidos para o seu próprio modo de agir.

Alguém é contra o policial que respeita a lei? Não, ninguém é contra isso. Ocorre que esse juízo é falso. Os militares não são legalistas. Para eles o que a lei prescreve é algo secundário, eles se vinculam a ordens burocráticas das autoridades incumbidas de interpretá-las e não ao teor dos diplomas legais.

O Estado forma uma estrutura que depende muito do trabalho de técnicos, ele precisa do setor de perícias, cálculos, arquivistas, avaliadores, oficiais de cartório, técnicos de informática, dentre outros. São funções auxiliares ao papel de juízes, promotores e defensores, os quais também se espera que sejam técnicos em suas respectivas funções.

O problema consiste em que a atuação técnica nem sempre é o vetor desses agentes com funções relevantes no judiciário.

Nos métodos de seleção para funções subalternas, ainda assim são exigidas noções básicas de direito penal, constitucional, administrativo e processual. O Direito pretende se afirmar enquanto ciência, com termos próprios e exatos, uma estrutura lógica e racional que regula as relações sociais e é capaz de explica-los a partir de critérios próprios e coerentes, o problema consiste quando o encaixe harmônico desses critérios racionais vai perdendo a sintonia.

Enquanto a ciência sistematiza conhecimentos para explicar fenômenos e prevê-los com um grau de relativo acerto, a elaboração de teorias jurídicas não conhece limites, não depende de verificação real, não deve obediência aos fatos.

Assim, os escritores da área chegaram a um acordo e inauguraram uma nova tendência: as construções jurídicas independem dos textos legais, é a interpretação a partir deles que dá origem à norma a ser aplicada. Não há revelação de norma, mas ela é formada a partir do processo interpretativo e uma série de truques semânticos serão construídos para legitimar esse processo de retirada de autoridade da lei para transferi-la aos intérpretes, que irão contrapor aquilo que eles denominam de “letra fria da lei” ao direito vivo.

Ao menos três escolas hermenêuticas podem ser sumariadas: a) escola dogmática; b) escola histórico-evolutiva; c) escola da livre interpretação.

Na escola dogmática, a lei é levada a sério, essa corrente ganha estrutura a partir do período napoleônico com o Código Civil de 1804, instaurando a cultura do código e do texto que não admite formulações do magistrado para além da autoridade que ele de fato detém, sendo a boca da lei. Prevalecem as interpretações de sentido lógico e gramatical.

Para os seguidores da escola histórico-evolutiva, o direito deve ser enquadrado como produto da formação social e não livre criação do legislador, que apenas declara mediante fórmulas fixas a vontade social. Uma vez declarada, a lei adquire vida própria e não se atém à sua fonte formal, por ser produto da vontade social e não do legislador. Esta escola tem o mérito de acrescentar novas modalidades de interpretação, tais como um aspecto sociológico e histórico, com o gravame de que, ao dissociar a lei dos seus elaboradores, passa a admitir a sua livre modificação por meio de uma intepretação progressiva, ou seja, a lei precisa se adaptar à realidade social com o decorrer do tempo. Esta foi uma das primeiras portas abertas para a usurpação pela via interpretativa.

Por fim, a escola da livre criação do direito (ou livre pesquisa) preconiza um processo integrador pela criação de novas regras a fim de suprir lacunas constantes na legislação. As prescrições legais não bastam, são incapazes de prever a complexidade das situações futuras, o que torna necessário que esteja ao alcance do intérprete novas fontes para embasar a sua decisão, a exemplo da atividade que toma como ponto de partida os princípios. O processo de deslocamento da autoridade da lei para a do intérprete atinge o paroxismo, nesta etapa o poder legislativo acaba por se transferir ao Judiciário.  Enfim, o intérprete passa a ter ampla liberdade para determinar qual é o entendimento jurídico adequado ao caso concreto.

Alguns padrões podem ser observados no desdobramento da hermenêutica jurídica, ela passa de um processo de higidez extrema à letra da lei para outra que liquefaz todo produto provindo do legislativo, adicionando justificativas de conveniência para que assim se proceda. Quando o intérprete nota que as lacunas podem ser preenchidas por normas criadas por ele mesmo, as lacunas começam a se multiplicar e mesmo os termos que são exatos passam a se tornar imprecisos, passíveis de reformulação de acordo com princípios tirados da algibeira que, ao final, irão mutilar o próprio texto de lei e substituí-lo por uma construção artificial elaborada pelo operador jurídico, em conformidade à sua vontade. No final das contas, a livre criação é o reino da livre vontade, não é a antessala, mas a própria sala da usurpação.

Só pode ser legalista quem compreende o sentido encerrado nos textos legais, conforme editados pelo legislador investido em suas funções. O legalista pressupõe que da lei emanam comandos projetados pelo legislador com o fim de regular determinadas relações jurídicas. Nesse caso, como em qualquer outra interpretação de verdade, o texto expressa um conteúdo daqueles que legislaram para aqueles incumbidos de dar aplicação à legislação.

Legalistas seriam então aqueles aptos a ler e compreender o sentido do texto, a mens legis e a mens legislatoris, pareando as determinações concretas que o tomam como referência e figuram em mandados judiciais, que serão distribuídos aos seus executores.

Fazendo um pareamento entre o texto legal e o comando jurisdicional, atesta-se a legitimidade deste. Como que um legalista se comporta diante de um comando ilegal? Ele recusa o cumprimento de ordens incompatíveis com o ordenamento. As operações mentais de interpretação da lei possuem estrutura silogística, a premissa maior sendo a lei em abstrato (hipóteses e sanções prescritas), a premissa menor a situação concreta, que encerrará conclusão pela incidência da norma.

A atividade jurisdicional é, via de regra, uma operação de concretização da norma.

Os militares não se voltam ao que a lei determina, nem contrastam o modo de atuar dos agentes públicos com a sua competência constitucional, o que eles fazem é agir de acordo com o que agentes investidos em funções jurisdicionais dizem que a lei ou Constituição exigem, mesmo que tais comandos sejam frontalmente contrários ao teor dos documentos. Não se trata de legalismo, mas sim de judicialismo.

As polícias, em última análise, são braços das autoridades judiciárias. São as decisões, sentenças e acórdãos que irão orientar a atitude dos militares, portanto eles são mesmo é judicialistas, uma vez que terceirizam a cognição do Direito para as demais esferas, tornando-se mesmo incapazes de aferir quando a menção a dispositivos de lei figura apenas como pretexto para a tomada de certas ações e objetivos estratégicos de quem se encontra na qualidade de magistrado. Não é a Constituição o vetor, mas sim a toga, a fonte de lealdade não é o texto de lei ou da Carta Magna, mas sim a interpretação de agentes políticos ocupantes de cargos judiciários.

Os militares não são nem legalistas nem constitucionalistas, mas meros executores de ordens burocráticas recebidas na forma de mandados, com a presunção absoluta de que tais determinações estão compatíveis com a ordem jurídica. Se estivessem preocupados com o efetivo cumprimento da lei, o mais óbvio é que compreenderiam o seu conteúdo, porém mais que isso, estariam dispostos a confrontar a própria autoridade jurisdicional que se utiliza de sua plataforma burocrática para expedir ordens sem base alguma, com evidentes finalidades abusivas e politiqueiras.

Em suma, tirem definitivamente da cabeça a ideia de que os militares são legalistas e se portam unicamente com vistas a aplicar a Constituição, porque isso é falso. Uma ordem judicial que contrarie a Constituição será cumprida da mesma forma. As intervenções políticas serão feitas no sistema jurídico, os textos serão deturpados e falsificados, a falsa hermenêutica dará origem a normas de conveniência, o intérprete confeccionará mandados instando as autoridades policiais a executarem as determinações, e estas carregarão tais ordens até as suas últimas consequências, pouco importando a sua compatibilidade com o ordenamento jurídico.

Legalistas e constitucionalistas são espécies em extinção, o que há são pessoas integradas à órbita de poder do judiciário, que legitimarão a execução dos comandos políticos dos agentes que coordenam essa estrutura judiciária.

Existem várias cartas na manga para que esses burocratas mantenham sua influência, eles podem se utilizar da sedução, mediante a promessa de ascensão funcional, vantagens estatutárias, ou mesmo ameaça de processos administrativos disciplinares, um dos recursos do grupo político para assegurar a sua autoridade e reduzir o cumprimento de dispositivos legais inconvenientes. O funcionário público pode ser sempre estimulado e forçado a olhar para o outro lado, ou mesmo tornar-se cúmplice a condutas frontalmente contrárias às garantias individuais albergadas na Constituição.

Se a sua compreensão da lei é terceirizada, você não é legalista, porque será incapaz de julgar o próprio intérprete à luz da Constituição e, como consequência, o intérprete é que se transforma em Constituição.

O problema dos monarquistas

 





Em 25 de novembro de 1970, o escritor Yukio Mishima encerrava a sua vida com uma ação ousada, tentando dar um golpe de estado cujo desfecho foi o cometimento de seppuku, ao perceber que a sua rebelião não surtira os objetivos pretendidos. Ele desejava restaurar ao imperador japonês todos os poderes que lhe foram castrados com o advento do novo regime do pós-segunda guerra. Discute-se que muito provavelmente o golpe não passou de uma dramatização para que ele pudesse cometer o suicídio de uma maneira considerada honrosa e justificada, considerando a simplicidade do plano e a escassez de recursos para uma tomada efetiva de poder, a falha seria um bom pretexto, tendo o roteiro do golpe se resumido a invadir um quartel do exército com o auxílio de membros da Sociedade do Escudo (Tatenokai), da qual era líder, rendendo o comandante e realizando um discurso aos soldados, exortando-os à restauração do Império com plenos poderes ao monarca, como antes[1].

Súditos querendo entronizar e fortalecer realezas, será que é natural que seja assim? Vamos dar uma olhada em alguns episódios históricos para termos certeza disso.

Dom Afonso Henriques fez a sua história mediante uma série de conquistas militares contra os mouros, em 1147 havia ganhado Santarém com suas forças, ganhando acesso para Lisboa, até então a maior cidade muçulmana do lado ocidental da península Ibérica. Aproveitando-se de uma armada da segunda cruzada que passava pela costa ibérica, reuniu forças e tomou aquela cidade, recompensando os cruzados com as riquezas do saque. Consolidado o norte, voltou-se para o sul, atravessando o rio Tejo e avançando com ordens religiosas guerreiras, movimento este que será continuado com os sucessivos reis portugueses até o pleno encerramento da fase de reconquista da península ibérica. Com custo e sangue estabeleceu-se a dinastia e o mesmo se passará quando Portugal, de reino, converter-se em Império[2].

Com a erosão do império romano ocidental, as massas territoriais europeias passaram por diversas ocupações bárbaras, dentre os quais vale a pena destacar o exemplo dos Francos. Possivelmente originados da Ásia central, passaram para a região báltica e constituíam não um povo único, mas uma liga que aglomerava várias tribos bárbaras, instalando-se posteriormente no nordeste francês e em porções dos países baixos. Sob a liderança de Clóvis, consolidou-se a dinastia merovíngia, que ganhou papel de destaque na liga dos francos.

Naquela época já estava em curso o processo de cristianização dos bárbaros, marcado por episódios célebres como o batismo do próprio Clóvis em 496, pelas mãos de São Remígio, fazendo da fé católica o espírito de seu reino, ao ponto de muitos historiadores considerarem a França como filha primogênita da Igreja, embora outros mencionem os suevos, estabelecidos no noroeste da Península Ibérica, como precursores da conversão bárbara ao cristianismo.

Certo é, porém, que sendo a semente do império de Carlos Magno, os Francos ocupam papel de destaque na história. Conta-se que, ao ouvir a narrativa da Paixão de Cristo, Clóvis teria empunhado uma clava ou martelo, batendo-a no chão, dizendo: “é uma pena que eu não estivesse lá com meus homens para defender Cristo”. Com o primado da força ordenadora, Clóvis unificou os francos e lhes conferiu uma forma estável, estruturada, superando a mentalidade tribal para imprimir uma forma nacional. Com o tempo, a dinastia tende a relaxar o seu ímpeto, passando a delegar funções para os vassalos, o que acarreta a perda da vontade e capacidade de o monarca se impor. É assim que Pepino, o breve, investido da função de major domus, acumula funções no reino ao ponto de depor o último rei da dinastia merovíngia, inaugurando a carolíngia.

Em Luís XIV encontraremos, no momento de maior enrijecimento do poder real, o ponto de inflexão da aristocracia, deixando de ser honrada pelas suas funções militares para se transformar numa classe deveras estranha, com manias aburguesadas, efeminadas e fetiches patéticos, com os quais a nobreza não é senão um elenco de participantes de festas seletas da alta sociedade. Nos encontros chiques, cada nobre era encarregado de levar um adereço para servir de vestuário real, uns levavam os sapatos, outros as luvas, casacas, ou ainda a gravata de renda (o célebre cravate blanche), as meias de seda bordadas com fios dourados, o colete de brocado, ou o espadim cerimonial com punho de prata. Alguns tinham a honra de apresentar as jarreteiras de veludo, presas com pequenas fivelas de ouro; outros se ocupavam da peruca empoadíssima, peça fundamental da imagem régia. Havia aqueles cuja tarefa era tão específica quanto carregar o lenço perfumado do monarca, ou ajustar com precisão o rendilhado das mangas sob os punhos. Em suma, uma verdadeira palhaçada.

Luís XVI também seguia essa tendência antes de ser destronado e morto, assim podemos perceber como os rebentos monárquicos tornam-se fracos e acomodados antes de a realidade cair de maneira brutal em suas cabeças. Este é um dado a ser considerado, o que se iniciou com o mérito gradativamente perde força porque os novos monarcas pensam que as suas posições decorrem de um direito divino e natural.

O poder é algo que precisa ser constantemente reafirmado, não existe direito natural de governar vinculado a uma casa real específica, isso vale quando uma dinastia sobrepuja outra, mas vale também para quando uma forma de governo se consolida após derrubar as formas monárquicas.

O despreparo e a indecisão de Luís XVI são bem conhecidos, a França teve o azar de, em um momento de grandes provações, não ter um monarca com instinto político capaz de ações firmes, conta-se que durante a fuga em direção à Bélgica, Luís XVI teria parado na estrada para experimentar um queijinho gostoso que ele lembrava que havia naquela região, momento em que foi reconhecido, preso e conduzido de volta para os algozes revolucionários que o decapitariam. Não obstante, Luís XVI provou que uma vida de frouxidão prazenteira pode ser compensada com uma morte altiva e digna, quando conseguiu entender algo sobre a seriedade e necessidade das decisões, era tarde demais.

Em formas degeneradas, despojadas do espírito aristocrático, a instituição monárquica é conduzida à ruína, porque a força está divorciada do espírito, esperando o momento de ruptura que concretizará o verso de Camões segundo o qual fraco rei faz fraca forte gente.

Nos sistemas aburguesados teremos arremedos de glória, lapsos de grandeza, como na era napoleônica, mas se tratava de um império que prosseguia no ímpeto revolucionário mediante a absorção de elementos ainda conservadores, nobres e racionais da sociedade francesa – dos mais ferrenhos opositores à Revolução Francesa o regime napoleônico conseguiu formar um destacamento da Vendéia para servir em suas guerras, ou seja, aqueles mesmos católicos que pegaram em armas e humilharam os revolucionários em diversas oportunidades, agora serviam à revolução sem nem se darem conta disso.

As pessoas se esquecem de que a monarquia surge a partir de uma estrutura real de poder e que, mesmo parecendo resultar no comando de um só, o componente aristocrático deve estar presente. Decompondo a palavra para melhor analisar os termos, 'aristocracia' pressupõe a junção de aristós (os melhores) com krátos (poder). Se, por um lado, não basta que uma classe seja qualificada — sendo necessário que também partilhe do poder —, por outro, não é suficiente que ela apenas governe: é preciso que se paute por um farol de virtudes.

Os círculos monárquicos brasileiros não são a aristocracia, pois o poder não está lá. São eventos de gala, momentos de descontração nos quais os presentes expressam um saudosismo de épocas passadas, sem projetos reais para restaurar as bases do poder real, sem ambições ou preparações para uma luta geracional, inflexível e contínua para a instituição de uma monarquia de fato.

A origem das monarquias é a força militar, mais que isso, é a realização de grandes feitos, um conjunto de ações capazes de reafirmar o primado da liderança e da convicção inabalável de que um dado sujeito é o homem certo a ser seguido, trata-se da sensação hegemônica de que um dado homem é indispensável, tanto é assim que essa qualidade é repassada aos seus descendentes, como se dotados fossem dos mesmos atributos e glória.

O sangue azul, por si só, mas não serve de elemento instaurador ou mantenedor de instituições monárquicas, aliás, caso se torne a única coisa existente numa casa real, esse fator se transforma num fetiche esnobe. Os monarcas e a aristocracia em geral somente possuem o sangue em alta conta porque antes estiveram dispostos a sangrar nas guerras. Eliminadas as ameaças, resguardadas as fronteiras, foi então possível a atividade econômica e sacerdotal essencial à civilização e, estabelecida a ordem, todo o resto se tornou possível. A força, uma vez estável, transforma-se em tradição. A tradição, por sua vez, facilita a permanência da monarquia constituída. Com o tempo, porém, o princípio aristocrático da monarquia se corrói e os descendentes já não possuem o mesmo ímpeto dos fundadores da realeza — ou seja, encontram-se em condições de perder a capacidade de governar.

Nos tempos atuais, as referências ao uso da força costumam ser alvo de imprecações, como se ela, em si mesma, fosse um mal — mesmo em contextos defensivos. Contudo, como vimos, os primeiros soberanos dela precisaram lançar mão: expulsaram os infiéis, no caso de Afonso Henriques e seus sucessores, e consolidaram nações em uma Europa fragmentada, como ocorreu com Clóvis. Isso nos permite afirmar que a ausência de uma força ordenadora gera um vácuo prontamente ocupado por forças caotizantes (ou caóticas). Desse modo, a nobreza militar revela-se fundamental e, na verdade, a ausência de uma força ancorada em bases aristocráticas é o que possibilita o surgimento de um ideal de força corrompida, bestializada, desconectada de vetores espirituais relevantes,  contrária à boa ordem. Esse tipo de força corrompida se apega a uma ciência falsa, originando estruturas ideológicas que nos últimos séculos encontraram raízes na brutalidade racial ou econômica.

Por exemplo, nenhum dos suplícios que o Czar pudesse aplicar contra os militantes socialistas de sua época se equipara às atrocidades do gulag soviético, nem o sistema de inteligência da Okrana chega aos pés da mendacidade da Cheka ou KGB. Isso não significa que o regime czarista não tenha sido capaz de brutalidades, mas estas em nada se comparavam com os níveis atingidos durante o regime socialista consolidado com a revolução bolchevique, de maneira que a falta de ação enérgica dos monarcas é responsável pela ascensão de carrascos que não sofrerão das mesmas hesitações. É um dos eventos nos quais a vergonha de derramar sangue de culpados custará mais caro e alcançará, com um espectro ampliado, a vida de vários inocentes.

Se o Rei precisa ser colocado no trono, como se fosse um boneco, então não é para ser Rei. Nenhum Rei que mereça tal posição é simplesmente colocado no trono, mas sim é ele que se coloca lá mediante um esforço ativo de liderança monárquica, lá permanecerá com destreza e tino para o exercício do poder; por tal razão a tentativa de golpe de Yukio Mishima padecia dessa mesma fragilidade que abordamos no decorrer dessas linhas, o imperador japonês se tornara ele também um fator de passividade, cuja permanência foi tolerada pelos norte-americanos, o monarca havia se eclipsado.

A frouxidão vem com o tempo, passando já para a época da subversão iluminista, e aos séculos que se seguem a ela, até mesmo os reis tornaram-se liberais. Atribui-se a Dom Pedro II a alma republicana e encontraremos elementos que evidenciam isso em seu diário, na anotação referente ao dia 7 de abril de 1890: “Abdicara [sic] como meu Pai se não me achasse ainda capaz de trabalhar para a evolução natural da república.” Em 4 de junho de 1891, revelou: “(…) não duvidaria aceitar a presidência da república, se tivesse certeza de que não me suspeitariam de atraiçoá-la. Só aspiro a servir minha pátria com devoção, palavra que melhor exprime o que sinto do que dedicação”. Assim se manifestava, sem nenhuma espécie de rancor, raiva ou indignação pela República proclamada em 1889.

Cita-se com frequência, acerca da proclamação da República, que “o povo assistiu a tudo bestificado”, enfatizando o caráter passivo e espectador da população, sendo essa frase repetida em tom censurador pelos monarquistas, como se dissessem “como vocês deixaram que uma coisa assim acontecesse?”. Pois bem, se o próprio imperador violentado é capaz de se portar com passividade, resignação fraca ou mesmo simpatia para com a República, por que é que deveriam os outros se sacrificar em prol dele, arriscar a própria vida para um governo monárquico que despreza a monarquia?

Em uma conversa sincera com o Ministro José Antônio Saraiva (1823-1895) o Imperador Dom Pedro II afirmou que não se importaria caso o Brasil se tornasse uma República, que para ambos já será inevitável. Em 1889 Saraiva confirmaria, certa  vez, essa disposição do Imperador, dizendo ao genro de Cotegipe que o Monarca era um homem profundamente honesto: "se se convencesse de que o País queria a República, largaria imediatamente o trono e ir se ia embora com sua Família. Como, de fato, iria fazê-lo, sem um  protesto, sem uma palavra ou sequer um gesto em favor de seus direitos de reinar. Aliás, essa tolerância sempre foi um dos traços marcantes da sua personalidade."

O engenheiro e abolicionista André Rebouças, amigo do Imperador, escreveu em seu diário que durante uma de suas conversas pelas ruas de Petrópolis em 1889 o Imperador se confessou republicano: “Eu sou Republicano... Todos o sabem. Se fosse egoísta, proclamava a República para ter Glórias de Washington...Somente sacrificava o Brasil a minha vaidade... e seria um desgoverno Geral...”

Dom Pedro não gostava de política e, para ser bem franco, ele estava realmente farto daquilo tudo, ao ponto de parecer mesmo que o golpe republicano foi uma deixa perfeita para entregar o governo a outrem, livrando-se do pesado encargo para se direcionar rumo à Europa. Fato é que a política é para animais políticos que querem liderar, ganhar espaço, dispostos a se exporem ao desgaste emocional e riscos inerentes ao embate, com sangue nos olhos e vontade de vencer.

Os monarquistas acham que só alegando a nobreza de sangue e glórias passadas eles possuem o direito de entronizar a família real. Monarquia começa com um grande ato de imposição que todo mundo admira porque fundamenta a nação, são os grandes feitos que dão legitimidade para o monarca governar, não existe direito de governar, se Dom Pedro não enforcou os traidores e consolidou o poder, não merecia governar. Ser derrubado por um golpe sem base popular depõe contra a monarquia e não a favor dela, quer dizer, os insurretos nem precisaram construir uma base revolucionária profunda e enraizada no povo para derrubar a Casa Real, uns soldados bastaram e motivações esdrúxulas foram mais que suficiente.

Difícil drama o dos partidários da coroa, eles precisam ser mais monarquistas do que o Rei que querem entronizar, defendê-lo mais do que a vontade dele próprio de governar, pessoas que estão constantemente buscando válvulas de escape e querendo jogar a toalha, fugindo da arena na qual animais políticos combatem, pois para consolidar um reino isso é um básico: ser um ferrenho e resoluto animal político.

Eles (os Braganças) acham que vão ficar sentados, ou em pé mesmo, palestrando sobre o passado e aludindo a uma herança do sangue, e que essa atividade, por si só, os fará merecedores de voltarem a comandar o País. Ou pior, talvez não queiram mais nada, não tenham plano algum, limitando-se a aceitar a República como fato consumado e impossível de ser revertido, restando apenas formar um círculo que evoque aquele charme de glórias passadas, de uma corte requintada com conexões europeias.

A Casa Real, se a pretensão de retornar ao poder for séria, por acaso tem algum plano? Há alguma rede de inteligência privada para o aspirante a Rei, será que fizeram um diagnóstico do porquê de terem caído, apontando falhas estratégicas que não deveriam ter sido cometidas pelos próprios monarquistas? Quais são os planos para arregimentar militância, artistas, escritores, propaganda e atrativos culturais de todo o gênero? Eles fazem análise de conjuntura e emitem ordens, inseridas em algum planejamento estratégico de médio ou longo prazo? Os membros estão em sintonia e plenamente comprometidos com o plano de restauração monárquica? Qual o ato equivalente ao grande feito militar do passado que poderá aventar na opinião pública o merecimento dos realistas ao poder, se de fato o querem? Um manancial de questões é colocado aguardando respostas acerca de um tópico que para muitos brasileiros não passa de fantasia, considerando o estado atual, talvez de fato o seja.

“Sou apolítico”: uma cartada usada para depois sair “mandando a real" sobre política

 


Nos países autocráticos, os cidadãos usam o rótulo apolítico para fugir do ônus de dar opinião sincera sobre o seus governantes e líderes partidários. Eles afirmam “não ligarem para a política” e em seguida procuram dar as costas, ou simplesmente manifestar assentimento, sincero ou fingido, às medidas implementadas pela elite administrativa. Eventuais discordâncias figuram em conversas particulares ou apenas são ditas em contextos nos quais se sabe que não haverá grande repercussão. Trata-se de manobra simples e que pode evitar dor de cabeça, seguindo a regra da sobrevivência e autopreservação.

Porém, os apolíticos das regiões onde há relativa liberdade podem tomar esse termo com outros contornos (devemos dizer liberdade relativa, uma vez que liberdade total é impossível e a ampla apenas existe em países bem específicos), estamos falando sobre os países nos quais ainda é possível publicar textos, vídeos e formar associações em torno de ideias comuns, existe uma série de meios associativos e comunicativos, seja para finalidades ideológicas ou temas de interesses variados, cuja falta somente é sentida após a sua supressão.

No campo específico das pílulas, por ser mais ampla e representativa do conceito de verdade, mantendo a coluna vertebral do masculinismo, a pílula vermelha é denominação mais interessante de se utilizar. Depois de muitas andanças, o discurso travado dentro da ideologia centrada em temas masculinos passou por diferentes focos. Por uma via, seguiu-se a linha do entendimento das mulheres para poder conquistá-las (com os Pick-Up Artists – artistas da sedução); por outra, havia a linha que trabalhava a masculinidade no sentido de buscar o modelo alpha, exaltando os atributos de atores famosos que se aproximavam desse modelo. Mas também há vertentes no sentido de que o sistema não deve ser domado ou enfrentado, no máximo boicotado e contornado.

A ideia é de que o sistema passa a ser desprezado, os meios de mudá-lo também. Isso conduz a um valor comum de apatia, que será agravado pelo fundo ideológico pós-moderno, uma série de componentes cuja combinação resulta quase sempre na pílula preta, que também carregará suas contradições. Daí decorre que embora a pílula vermelha seja associada ao mgtow, ela é mais ampla que este, que possui a característica de estado (do verbo estar). Ser homem, estar solteiro e sem qualquer tipo de relacionamento.

Pois bem, como esse niilismo foi sendo progressivamente inserido na redpill, criou-se no meio um senso de que falar em redpill é também falar em quebra não apenas da matrix de relacionamentos, mas também da matrix religiosa, do trabalho, da política e assim por diante, transformando esse panorama de assuntos como algo a ser desconstruído (uma atividade muito cara às antifilosofias pós-modernas). E aí chegamos ao ponto no qual se afirma que os que discutem o feminismo precisam ser apolíticos. Como se criou essa atmosfera de aversão às discussões centrais do poder, até mesmo as opiniões sobre isso precisam ser emitidas de uma forma suavizada, indireta ou aparentemente fundida com o interesse masculino, como se as pessoas estivessem com receio de falar de maneira clara as suas posições.

Daí as preocupações de sempre deixar claro coisas como: “Sou apolítico”, “Os vídeos relacionados aos temas masculinos não tratam de política” ou, para ser mais específico, “O mgtow é apolítico”, etc...

Porém, essa atitude melindrosa não tem razão de ser. É necessário estabelecer dois pontos.

O primeiro é que essa base metafísica do vazio não merece respeito algum; é um corpo estranho que foi enxertado na pílula vermelha e passou, com as constantes repetições de conteúdos semelhantes, a ser enxergada como se fosse própria da redpill e de suas variações, seguindo a linha de uma alegada nobre tarefa de desmascarar as farsas sociais. Ela traz consigo toda a base comum relativista e desconstrucionista que gerou as complexidades destrutivas com as quais o homem se bate. Portanto, é necessário deixar claro que todo esse fingimento afetado, esse "charminho" e essa repulsa ostensiva a temas políticos, como se se estivesse acima ou distante do debate, não passam de artifícios. O charminho apolítico não passa de uma bichice ridícula. Homens discutem política, sempre discutiram e sempre discutirão.

Em segundo lugar, dificilmente se vê alguém que se declara “apolítico” que não venha depois querer “mandar a real” sobre política a torto e a direito, o que faz do apoliticismo uma cartada para poder entrar nessas discussões sem parecer estar entrando.  Assim ocorre que, sempre que se estiver diante de alguém muito preocupado em pintar-se de afastado e indiferente à política, espere uma caçamba de palpitaria e opiniões definitivas sobre os principais acontecimentos do jogo do poder. Os verdadeiros indiferentes simplesmente o são, eles não usam essa palavra como armadura, casca, artifício ou ardil para disfarçar suas convicções.

Notem que não se dizem antipolíticos, mas apolíticos, como se estivessem justamente DE FORA da arena e dos comentários sobre a disputa do poder, seja no plano nacional, seja no geopolítico. Mesmo porque dizer-se antipolítico não faz sentido algum, já que nesse caso haveria adoção de uma postura sobre o assunto, passando também a um posicionamento partidário de negação de todas as correntes. Em suma, ou você é apolítico, desinteressado, indiferente e sem opinião alguma a manifestar, ou discute política e julga os agentes políticos.

Se você é apolítico, então seja de fato, tomando como óbvio que isso implica em não procurar discutir nem julgar agentes políticos, nesse caso, toda essa arena é como se fosse um nada. Os verdadeiros apolíticos estão preocupados com a disputa do poder da mesma forma como eu estou preocupado com jogos de futebol, algo que para mim não tem importância alguma. Não sei o que Neymar está fazendo, não sei quem está na série tal e qual, se o time foi rebaixado ou se deram a bola de ouro para fulano ou sicrano. Não só não sei como não quero saber, os apolíticos fizeram a sua escolha e ela é exatamente essa: agir como se suas vidas nada tivessem a ver com os movimentos de disputa pelo poder.

Esse tipo de apolítico, o verdadeiro, não faz o truquezinho vagabundo de ir palpitando sobre Lula, Bolsonaro, conservadores, direitistas, esquerdistas, etc...e depois, para não ser tragado para uma discussão, levanta um escudo e põe uma máscara de indiferente, com aquela cara de sonso, como se fosse um estranho ao embate ideológico próprio das correntes de pensamento, como se estivesse mesmo desligado da luta neurótica do poder, da militância e teorias correlatas, alguém que apenas vive sua vida, com a fantasia do homem comum que não se informa está com os pés no chão e que imagina está mais perto da realidade do que aqueles que tratam das correntes ideológicas, as quais considera como superficialidades e distrações da massa.

 O falso apolítico com frequência usa esse carimbo para, num primeiro momento, atribuir a si mesmo uma aura insuspeita, procurando transmitir ao público a impressão de que tem uma mente saudável e equilibrada; no outro instante, já passa a proferir juízos como se fosse um oráculo ou árbitro, com voz neutra empostada, imparcial e esclarecida contra a turba que fica discutindo ideologias, partidos, governos, em suma, o poder.

A verdade é que se alguém realmente se declara indiferente aos debates públicos, é porque não tem absolutamente nada a dizer nem a ser considerado, essa pessoa necessita seguir o rumo dela, dedicando-se à sua área de especialidade e de interesse. Ademais, todos os que enchem a boca para falar são apolíticos e, momentos depois, estão tratando de questões atinentes a esse tema, devem ser cobrados: por que você mentiu? Por que se utilizou da pilantragem de jogar para a galera uma imagem de distância e desinteresse para depois então emplacar as posições que, no fundo, sempre estiveram presentes.

Essa é uma das razões fundamentais pelas quais você deve cagar sempre que alguém disser que o masculinismo é apolítico. Se você estiver tratando de temas ideológicos, o apolítico não irá se importar; se por acaso alguém se importar, é porque nunca foi apolítico, portanto o estranhamento ideológico haverá razão de ser nesse caso, um correligionário de uma ideologia estará se chocando contra outra ideologia. Nesse último caso os polos estão em evidência ou confessadamente posicionados, o que não pode haver em hipótese alguma, devendo ser identificado e denunciado sempre, é a figura do dissimulado, que enche a boca para falar que odeia política, mas no momento seguinte está mergulhado em discussões dessa natureza.  

terça-feira, 1 de julho de 2025

Sobre o fascínio em torno da creepypasta das backrooms

 




O que são as backrooms e os chamados liminal spaces (espaços liminares)? E por que esse conceito se tornou um lore viral das creepypastas na internet? — pode-se perguntar. Trata-se de um conceito pós-moderno, criado para satisfazer a necessidade humana de mitos ao mesmo tempo em que as pessoas buscam se apresentar como racionais e lógicas. Pode uma mitologia inteira ser criada a partir de um simples post de forum de internet? O curioso caso das backrooms provou que sim. Postado originalmente no 4chan, esse assunto dominou vários cantos da internet, expandindo-se exponencialmente, a postagem original não foi senão um tronco que gerou tópicos e subtópicos, como se se tratasse de uma proliferação de coelhos, demonstrando como a imaginação humana pode ser larga.

Lugares liminares evocam a ideia de outras dimensões, nas quais o explorador pode ser absorvido pela ideia do infinito — e pelo horror que acompanha essa noção. A perplexidade pode ser bem expressa pelo conceito de kenopsia, como foi descrito no “Dicionário das tristezas obscuras”, pode-se descrever tal palavra como “a atmosfera estranha e desolada de um lugar que normalmente estaria cheio de gente, mas agora está abandonado e silencioso — um corredor de escola à noite, um escritório sem luz num fim de semana, um parque de diversões vazio — uma pós-imagem emocional que o faz parecer não apenas vazio, mas hiper-vazio, com uma população total no negativo, tão conspicuamente ausente que reluzem como letreiros de néon”. (https://www.thedictionaryofobscuresorrows.com/concept/kenopsia) 

As backrooms são exatamente isso: um lugar onde existe apenas o eu e o ambiente. O mundo digital providenciou uma série de mitos, passados adiante como se fossem verdades, ou mesmo originados num contexto de brincadeira, mas posteriormente relegado ao esquecimento, quando então foram resgatados, fazendo com que passassem a ser tratados como tópicos misteriosos cuja veracidade pode ser debatida. O poder mítico das creepypastas é o de suscitar terror psicológico, criando uma teia de sensações cujo impacto não seria exagerado equiparar ao uso de drogas. Horas e horas seriam necessárias para ler todos os níveis e entidades criadas por esse nicho literário digital, e ainda assim não se teria absorvido toda a mitologia existente, pois ela está em constante expansão. O fato é que considerável número de pessoas expressam o deleite de mergulhar nessa ficção multidimensional.

Ainda na época mais jovem de escola, eu escutava os rapazes mais velhos falarem sobre os i-dosers, também denominados drogas digitais, frequências sonoras que despertariam efeitos diversos. Essas ondas binaurais possibilitariam sensações psicodélicas, relaxantes, estimulantes da inteligência e ampliadora do foco para estudos e meditações, tudo dependeria da frequência escolhida.

Assim como o fascínio da época com relação às frequências digitais, os backrooms são modelos narrativos que despertam sensações. Trata-se de uma ideia acessível de transcendência, por meio da ruptura com a realidade, mas em sintonia com uma moda que alega desprezar mitos. O explorador está sozinho e perdido, lutando pela sobrevivência. Ele vê um design, mas não vê um designer. Sente-se só mesmo quando outras pessoas alcançam os mesmos espaços, porque elas não podem ser vistas em um primeiro nível. É um conceito semelhante ao limbo ou purgatório, que desperta a curiosidade das pessoas.

O mundo pós-moderno alega ter superado mitos e ilusões — o que é falso, pois ao mesmo tempo cria novos mitos que permitem às pessoas mergulharem em um abismo fascinante, um mundo assombrado por demônios, que deveria ser desprezado como superstição, acabando por reafirmar a necessidade de mitos.

Pense em toda a desconstrução que os produtos culturais sofreram nas últimas décadas. Pinturas e esculturas com formas distorcidas; fezes de artista literalmente apresentadas como algo sublime; músicas que não passam de ruídos; arquitetura sem estética nem harmonia; a destruição empreendida contra a arte sacra e as catedrais. A falta de ordem e de sentido pode ser vista em toda parte — alcançando também o universo das creepypastas, onde pessoas vagam por espaços ocos, travando relações ou tentando se desviar de entidades que ocupam o lugar onde outrora havia anjos e demônios.

Um efeito semelhante pode ser observado em filmes e séries de viagens espaciais, que constroem mitos a partir da ciência e tentam fazer da ciência uma construção ficcional, o que foi objeto de denúncia por Nikola Tesla, uma das mentes mais brilhantes que a humanidade já concebeu.

Em resumo, as backrooms respondem a uma necessidade humana de criar mitos e, ao mesmo tempo, deixar-se absorver por eles. Uma forma niilista de transcendência por meio de experiências de horror, que levam as pessoas a se perderem em dimensões quase infinitas — a ponto de podermos citar Blaise Pascal, que disse:
“Quando considero a curta duração da minha vida, engolida por uma eternidade antes e depois, o pequeno espaço que ocupo engolfado na imensa infinitude de espaços dos quais nada sei e que nada sabem de mim, sou tomado de engano. O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora.”, conclui-se que é necessário retomar a ideia de infinito de alguma forma.

É claro que as pessoas não acreditam que as backrooms sejam algo real, mas é a possibilidade de torná-las críveis que as torna empolgantes, entretendo a imaginação das pessoas de uma forma alternativa aos conceitos predecessores, como a Divina Comédia de Dante ou os demônios da Goetia. Assim os oldschools possuíam suas creepypastas, os contemporâneos arranjaram as suas, adaptando-as às crenças e necessidades afetivas da época.

General confessa que está cagando para a legitimidade das decisões da facção política do judiciário

  Após inaugurada a República em 1889, as décadas que se seguiram foram o Exército reprimindo movimentos populares a fim de estabilizar a no...