Luiz Felipe Pondé é o homem das verdades homeopáticas, administradas com
cuidado, mas sem prejudicar as mentiras que circulam.
Ele jamais ultrapassará os limites impostos pelo estamento acadêmico
esquerdista a ponto de comprometer a própria posição. Cumpre a função de aliviar
os incômodos gerados pelo estado atual das coisas, tratando essas angústias de
tal modo que não se convertam em forças hostis ao estamento. Apontará, por
exemplo, os desajustes nos relacionamentos causados pelo feminismo e a loucura
fomentada pela extrema esquerda, com a dissolução do sexo real no conceito
fictício de gênero.
Sempre ironiza a
pós-modernidade, mas é um intelectual inofensivo diante dela. Zomba dos clichês
mais ridículos dos casais contemporâneos que se sentem bem em seguir os ditames
globais, dos jantares com os “inteligentinhos”. Em certos momentos, quase
convence o público de que está dissociado de seu habitat acadêmico, como se
fosse um tumor no estamento universitário ou um cavalo de Troia confiável aos
olhos dos anticomunistas. Mas essa é uma impressão superficial e passageira.
Seu atrativo, ao menos para a parcela juvenil, está no fato de ser um
intelectual sem religião.
A forçação de barra em
torno de seu nome decorre do fato de que, além de não possuir base religiosa,
compartilha de preceitos niilistas ou ateus com os quais um determinado público
pode se identificar e, a partir daí, tomá-lo como ícone. Mas isso não muda o
fato de tratar-se de um pensador muito aquém das expectativas de revolta contra
as bandeiras pós-modernas. A falta de combatividade e a submissão à ideologia
dominante atestam que Pondé é a consagração do conforto: tudo o que possa
comprometer sua situação confortável torna-se, para ele, “chato” e
convenientemente descartável.
Ele é o que se costuma
denominar gatekeeper (“guardião do portão”, em tradução literal): impede
o buscador de conhecimento de atravessar o umbral e tomar consciência do que há
por trás dos fatos, frequentemente indicando uma rota alternativa que não leva
a lugar algum. Realiza o trabalho de direcionamento dos intelectos inquietos, que
percebem anomalias e buscam explicações mais profundas sobre o quadro social em
que se encontram. Porém, em vez de se converterem em desafiadores ativos da
situação, ou seja, em reacionários, passam por um processo de neutralização.
Estará sempre abordando
aspectos leves das relações humanas, concedendo afirmações verídicas aos
leitores (ou ouvintes) aqui e ali, mas sempre redirecionando o espectador de
volta ao esquema geral de enganos proposto e reforçado pela mídia, pela
esquerda e por correntes de pensamento pós-modernas pseudocientíficas. Exemplo:
após oferecer uma dose de veracidade no campo da política, dirá que até mesmo
votaria em Jean Wyllys, dependendo da situação; depois de criticar o movimento
feminista, manifestará adesão à ideia de que a mulher atual é tão forte que
“espanta” os homens, como se o problema estivesse no ressentimento deles
(utilizando vocabulário nietzschiano e encerrando a análise num círculo
vicioso); também agradará o estamento acadêmico dizendo que votaria em Lula, ao
passo que rejeita a figura de Bolsonaro.
Ao utilizar a
meia-verdade, Pondé realiza com frequência essa manobra de ida e volta: ao
mesmo tempo em que fornece ao público algumas verdades, opera um movimento
inverso para enquadrá-lo no esquema mental admitido pelo campo cultural a que
pertence. Dá com uma mão enquanto retira com a outra. É como o agente
especializado em dialogar com o insurgente para que ele deponha as armas e se
renda. Rendido o revoltoso, ele é abraçado, neutralizado, reeducado e
reinserido na sociedade, agora moldado pelos parâmetros admitidos e de acordo
com os graus de verdade toleráveis pela modernidade.
Na questão dos sexos e
da crise causada na civilização ocidental pelo feminismo, ele fala como se
vivêssemos todos em uma alegre festa hippie e como se o verdadeiro problema
fosse que o homem se perde nesse mar de sexo, entre tantas ripongas
apetitosas e fáceis; a vida, para ele, parece uma calourada universitária na
qual o amor é líquido. Sobre a nossa época, afirma que o sexo está fácil e
barato e, diante disso, eu me pergunto se ele realmente vive no planeta Terra e
se parou para observar a situação atual antes de opinar. Já chegou a dizer que
uma mulher bonita num ambiente de trabalho suaviza tudo, quando nós podemos
asseverar o contrário, as mulheres introduzidas em grupos masculinos (ou ao menos
predominantemente masculinos) instauram um processo de competição intrassexual,
todos os homens daquele grupo em específico passam a se comportar com a
possibilidade de favores sexuais e relacionamento em mente, o que suscita
conflitos e desentendimentos.
Aos olhos da massa, não
estamos tratando de um homem comum, mas de um homem culto: com graduação em
Filosofia pela Universidade de São Paulo, curriculum Lattes, livros
publicados, artigos escritos em vários portais e presença constante como
convidado em órgãos midiáticos. Convive com seus pares burocráticos da educação
superior e conta com o aval dos jornalistas, apresentando-se ao público como
uma figura abalizada e capacitada a nos fornecer, com seu olhar “científico”, a
verdade possível sobre os acontecimentos mundanos (e nós sabemos que, para a opinião
pública, importância é definida em termos de “aparecer na televisão”). Se não
conseguir analisar, basta esquecer a besteira que disse e, em outra
oportunidade, proferir novas opiniões sobre o mesmo assunto, afinal, o público
não está acostumado a medir intelectuais e analistas com base nos acertos de
seus diagnósticos da realidade.
Ao analisar o fenômeno redpill
e o masculinismo, ele se apega ao conceito de ressentimento. Diz que o homem se
sente inferiorizado diante da mulher moderna, que esta, muitas vezes, é
bem-sucedida, compete no trabalho, “conquista” lugares na sociedade e que todos
esses avanços causaram um mal-estar que se converteu em ressentimento
masculino. O homem sentiria vergonha de ter uma mulher que ganha mais, de não
conseguir impor sua autoridade; trata-se, segundo ele, de um inconformismo com
os novos termos da civilização daí a recusa em se relacionar com qualquer uma
delas. Ele converge com o argumento feminista de que o homem não aceita uma
mulher “empoderada” e de que os homens atuais sentem medo das mulheres.
Ora, senhores, percebam
que ele partiu de uma ruptura
antropológica grave, provocada pelo feminismo e, ao invés de condená-lo
como causa, concentrou-se nos aspectos mais remotos e sintomáticos: a resposta
que os homens encontraram, em sua desorganização social, para amortecer e
contornar os efeitos danosos dessa ruptura. Ao utilizar a palavra
“ressentimento”, Pondé não pretende com isso analisar como esse ressentimento surgiu, por que os homens sentem repulsa pelas mulheres modernas, o que houve de errado. Ele o enquadra
como uma reação, algo colateral a um fenômeno principal que o precede. Aliás,
pela maneira como argumenta, levando em conta a ascensão feminina nas últimas
décadas, tenho minhas dúvidas se ele realmente percebe esse acontecimento como
algo anômalo e prejudicial. Em outras palavras: talvez ele acredite que não tenha
havido crise antropológica alguma que afetasse homens e mulheres, talvez tudo
esteja normal, e essas distorções não passem de ilusões ou exageros de homens
amargurados.
Se o ensaísta Pondé
deixa de lado a grande cisão sexual antropológica, ou seja, o acontecimento
principal, o núcleo da questão, ele se mantém preso à periferia dos fatos. A
capacidade filosófica que poderia dissecar como a pseudociência de gênero foi
introduzida para corromper a sociedade perde-se em casos pequenos: conflitos de
namoro, sexo casual, aplicativos de encontros, questões do dia a dia, sempre
abordadas como “coisas bobas” e “próprias dos tempos modernos”, com as quais
devemos nos acostumar. Suas manifestações não são um documentário, são um
episódio de Casos de Família,
com uma opinião apenas um pouco mais rebuscada.
O “ressentimento” é um
estado emocional psíquico reativo, e nenhuma situação pode ser compreendida
focando-se exclusivamente nos impactos psicológicos. É necessário analisar os
fatos, os atores e as experiências reais que, em conjunto, resultaram no
alegado ressentimento. Nesse sentido, é possível notar o desconforto dos homens
em relação às mulheres, assim como a revolta das pessoas desempregadas diante
da crise econômica, a angústia das vítimas de crimes frente à crise da
segurança pública e assim por diante.
Por vezes, Pondé
demonstra interesse em opinar acerca da questão de gênero, do feminismo e da
tensão sexual entre homens e mulheres. Mas por que, então, não aborda os
instrumentos estatais abusivos que prejudicam essas relações? Ele enfoca a
recusa de alguns homens em constituir famílias, por que não aborda também o
desinteresse das mulheres pelo casamento? Ao contrário do que afirma, esta é a
geração que menos faz sexo; não é tão fácil para a maior parte dos homens
quanto era nas décadas de 1980 ou 1990. Como no Japão, a tendência das
sociedades modernas tem sido a de uma massa de homens sem atividade sexual
(muitos até virgens), enquanto mulheres se mostram promíscuas. Aplicativos de
encontros não formam casais, são meros catalisadores para aqueles que já
conseguiriam sexo sem eles, ou seja, apenas amplificam ainda mais a hipergamia.
Até aí, alguém poderia
contra-argumentar dizendo que os instrumentos virtuais são menos eficazes do
que conhecer as pessoas presencialmente. Pois bem: em festas e baladas, o
isolamento do homem comum também é perceptível, ou as mulheres se entregam aos
destacados, ou encerram a noite sozinhas em seus grupos de amigas.
Ele nada diz a respeito
do direito que incentiva o divórcio unilateral, da proliferação de
pseudoviolências, do aparato judicial hostil ou mesmo do conceito de
hipergamia, elevado ao absurdo nos tempos atuais. Tendo afirmado, em outra
oportunidade, que não havia domínio da esquerda no meio acadêmico de sua época,
ele raciocina em termos marxistas (ainda que inconscientemente), ao dizer que a
máquina jurídica brasileira não é tão impositiva quanto a norte-americana
porque o capitalismo nacional ainda não é tão “azeitado” quanto o
norte-americano. Como se as definições econômicas determinassem, em última
instância, as relações de poder, ou seja, adotando uma perspectiva
economicista.
Provavelmente, ele
observa a movimentação da juventude: as calouradas regadas a bebida e drogas, o
alto grau de libertinagem dos grupos universitários, e daí conclui uma suposta
facilidade sexual para a população em geral. A verdade, porém, é que o homem
ordinário é praticamente invisível, tanto para as mulheres quanto para os
opinadores da questão de gênero, fechados em suas bolhas acadêmicas e de
departamentos públicos, como é o caso do ensaísta Pondé.
Ele diz não saber se
hoje é tão fácil para as mulheres mudarem de parceiro quanto para os homens, ou
seja, como se fosse fácil, de fato, para os homens mudarem de parceiras. Para
ele, o homem vive num mar sexual; a mulher, nem tanto. Uma simples observação
da realidade bastaria para esclarecer esse ponto: para a mulher ter sexo, ou
mesmo um relacionamento, basta querer; para o homem, querer não basta, é
preciso despender esforço, que na maioria das vezes se mostrará inútil.
Pondé vive em outra
dimensão. Sua visão não serve de orientação e, mesmo demonstrando tanto
interesse nessa questão dos relacionamentos, deixa escapar pontos essenciais
para elucidar o problema de forma satisfatória. Nunca se deve esperar que ele
toque o dedo na ferida. Não parece ser alguém que aposte numa filosofia para
corajosos, pois seu perfil é o do acomodado.
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