terça-feira, 4 de novembro de 2025

Friends & Enemies - Jeffrey Nyquist & Alex Bensch - transcrições PT-BR

Friends & Enemies, ou simplesmente Amigos e Inimigos, é o nome da série de conversas entre Jeffrey Nyquist e Alex Bensch sobre a geopolítica contemporânea, com panorama rico e contextualizações que rendem várias anotações, para não falar das ricas indicações de bibliografia.

Os dois analisam tudo com perspectiva certeira e lúcida, sabem quais são os fatores em jogo e o nome real das ameaças. A postagem cumpre a função de organizar os arquivos e referências para servir de base a um estudo sistemático e aprofundado da matéria. 

Vou deixar algumas transcrições em português, o mais literal possível. Alterações podem ser feitas se ficar constatada a ausência de algum trecho, na medida em que a tradução e transcrição feita por IA depende de supervisão humana constante (por causa de nomes errados e expressões captadas de maneira equívoca ou imprecisa para o português). 

Os vídeos originais estão em inglês e se encontram nos canais "Candor Intelligence Network" (é o principal: https://youtube.com/@recentr84?si=3lFmUE6MgbQwKPtw ) e " Candor Intelligence 2" (https://youtube.com/@candorintelligence?si=jpSJmq-hCOHwCS8D)

Sites oficiais dos autores

J.R. Nyquist

https://jrnyquist.blog/

Alex Benesch

https://candorintel.com/


Playlist dos vídeos originais em inglês: https://youtube.com/playlist?list=PL7rsfUzzcI78rQ7gDVDSl6B6fRfUGPmVe&si=IQcta8myGYOoKfgb 


AMIGOS E INIMIGOS

95. Deuses da Guerra  – 3 de novembro de 2025

https://docs.google.com/document/d/1noU9bR4Jtn5_2lPAwejZZy6UVeIQLJfR7D9_75Gpi0Y/edit?usp=drive_link 

94. Trocando o script — 26 de outubro de 2025

https://docs.google.com/document/d/1D2NY9iJiKKeHKT04ilU0ctSPaa8T24zJ1d9QSdDO5sg/edit?usp=drive_link 

93. Empurrando a direita para uma armadilha - 12 de out. de 2025

https://docs.google.com/document/d/1Zo9c5mGg9Av6peCyMBGxXgfYFyFxw1gIYguMB722ThU/edit?usp=drive_link 

92. O antifascismo comunista - 29 de setembro de 2025

https://docs.google.com/document/d/18S5pINukDD1w6hrDpzyVPkFdUS1fzR3q_4c_i5GlqvI/edit?usp=sharing

91. Eles possuíam Charlie Kirk – 21 de setembro de 2025

https://docs.google.com/document/d/1ujYJ_ZtFO-Bdh1fRJZGIHaoPDR6YzZQm0qTei7j9Oxc/edit?usp=sharing 

90. O atentado contra Kirk  – 15 de setembro de 2025

https://docs.google.com/document/d/1jmkgm8efPhbgVz0jdUX6iHPFdqnNfCcjvSFVCUIsbRM/edit?usp=drive_link

89. Os PayPals de Peter Thiel – 31 de agosto de 2025

https://docs.google.com/document/d/1YqxazuqtlfJPs_NTL0GTta2idE46SlCZVJWhDhI3ihk/edit?usp=sharing

88. A Quinta Diretoria da KGB – 17 de agosto de 2025

https://docs.google.com/document/d/10xEWykLQt2XnhbBd7LE3QuCwZAvDUlAVLYI6Aagk9PY/edit?usp=sharing 

87. As vidas secretas dos governantes da Rússia - 10 de agosto de 2025

https://docs.google.com/document/d/1FsaRo91d4o2dfSB2l3eJG3mAwLUE2CbLlOE-qEayeX0/edit?usp=sharing

86.A matriz de subversão da IA molda nossos pensamentos – 3 de agosto de 2025

https://docs.google.com/document/d/1C2d1IOjNVtDJNkJ86vjCMV7dMGxTBM8gUtrTz5Zqgjk/edit?usp=sharing

85.O Não Profissional – 20 de julho de 2025

https://docs.google.com/document/d/1RzH6udRtgFr6aBY5_F94DBgKlgkm2ui-Wv7Jtnnv9qw/edit?usp=drive_link

84.Jogos de Guerra – 6 de julho de 2025

https://docs.google.com/document/d/1eBcK6ZXyx5fL0qhjUmQ_g4Pb__XAWDeSpvX5kUM0cqs/edit?usp=drive_link

83.Está em curso – 29 de junho de 2025

https://docs.google.com/document/d/1FOfTAoq35Rb7CAqYSgUU2zQL6iyAPZoS0F5Jd-8djnQ/edit?usp=sharing

82.Martelo da Meia-Noite — 22 de junho de 2025

https://docs.google.com/document/d/1-5O5CrChkcwIWZnsc0_lUvroiyeRCE-YcPpNUWTB45A/edit?usp=sharing

81.Generais no Bilderberg – 15 de junho de 2025

https://docs.google.com/document/d/1GwG64dJYxMgD3tvox-7PIQbEQ1s0JFVD45K1CYLjR5Q/edit?usp=sharing

80.Marines dos EUA na Suécia — 1º de junho de 2025

https://docs.google.com/document/d/1vCysegSjfd5XEhyKI6qHZ_x8Jo39sDBpoXmqeAvcF1U/edit?usp=sharing

79.As rodinhas de Mônaco – 25 de maio de 2025

https://docs.google.com/document/d/1GQH6nJ6b7S2xKLB-QQpU0YTq2XkdghadWHyffhosovw/edit?usp=sharing 

78.Limitado – 11 de maio de 2025

https://docs.google.com/document/d/1h7bDibI_KZu1LCPkxymDa9-EircFwV_no5mWzdk4d7g/edit?usp=sharing

77.Sobrecarga – 4 de maio de 2025

https://docs.google.com/document/d/1XHqSPhHtHgZv0NIC3kc-DAQSBqxnQlJju3lnQIRTCEc/edit?usp=sharing

76.Faz de conta – 27 de abril de 2025

https://docs.google.com/document/d/1QmrIpgYFGyd8O6vrMTg_W7AUku3Grm21s2moDbTL4UA/edit?usp=sharing

75.Made in China - 13 de abril de 2025

https://docs.google.com/document/d/1tzPcrY2Ee3QCicjDuvmn2jTiMaxuvq3ob-Rz-4gRrx8/edit?usp=sharing

74.Supercluster - 6 de abril de 2025

https://docs.google.com/document/d/18W_qi9WZ_9xi3_aeHABPN5-i2JUeH5dNGN2c5A6zgbs/edit?usp=sharing



REFERÊNCIAS

CHAMBERS, Whittaker. Witness.

COHN, Norman. Warrant for Genocide - the myth of the jewish world conspiracy and the protocols of the elders of Zion.

CONQUEST, Robert. The Harvest of Sorrow: Soviet Collectivization and the Terror-Famine 

CONQUEST, Robert. The Great Terror.

CONQUEST, Robert. Stalin and the Kirov Murder.

Cormarmac, Rory; Aldridge, Richard J. Spying in the Crown: The Secret Relationship between British Intelligence and the Royals 

MACHTAN, Lothat. The Hidden Hitler.

NYQUIST, Jeffrey. O Tolo e seu Inimigo. Vide Editorial, tradução por Alessandro Cota; em inglês: The Fool and his Enemy.

NYQUIST, Jeffrey. Origens da Quarta Guerra Mundial. 

SAGE, Steven F. Ibsen and Hitler: The Playwright, the Plagiarist, and the Plot for the Third Reich

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Daniel Mastral – ficcionista brasileiro do satanismo

 



Nascido Marcelo Ferreira[1] (1967), o ex-satanista que ficou famoso na internet adotou o pseudônimo Daniel Mastral desde 1999. Para ele, ser o filho do fogo significava que as chamas não iriam queimar aqueles que pertencessem a ela, filho do fogo o fogo não queima. “Aquele que vive nas sombras enxerga quem está na luz, mas estes não conseguem enxergar o oculto”.

Esses são alguns ditados que ele alega serem frequentes entre os membros da irmandade que afirma ter frequentado. As seitas reforçam uma frequência de pensamento segundo a qual os que fazem parte delas estão integrados a um grupo seleto, nem a própria família os compreende tão bem quanto seus gurus e colegas de crença.  

Extremamente polido, articulado e com boa oratória, Mastral arrastou parte considerável dos internautas para endossar suas posições teológicas e exposições de um jogo das sombras.

Sobre os seus livros, ele diz que 85% é autobiografia. Se tudo o que ele escreveu for mentira, vale como ficção; se por acaso reflete casos verdadeiros, trata-se de uma personalidade singular.

Marcelo recorre à troca de nome à maneira dos episódios bíblicos, quando um personagem assumia uma nova etapa da vida. Simão torna-se Pedro, José torna-se Barnabé e Jacó passa a se chamar Israel. Por isso ele, Marcelo, torna-se Daniel Mastral. A facilidade de reconhecimento do pseudônimo para fins editoriais seria apenas um bônus, efeito remoto de um acontecimento simbólico de importância epifânica.

Vamos às suas alegações, expondo aqui um apanhado de tudo quanto ele diz ter ocorrido ou presenciado...

A linhagem da seita satânica que ele alega ter pertencido remontaria até a Idade Média. As seitas secretas se consideram guardiãs dos segredos da humanidade, elas possuem um acervo privado que contém conhecimentos que não podem ser encontrados nas livrarias comuns. Boa parte desse material é transmitida oralmente. Para fazer parte dessas seitas é necessário ser de uma linhagem profana, por isso os seus integrantes colhem muitos dados para avaliar o ingresso de novos interessados.

Ele diz que não é necessário ser satanista para servir ao Diabo, basta fornecer-lhe matéria-prima, como orgulho, soberba, altivez, dentre outras falhas por meio das quais o demônio pode atuar, portas abertas para uma influência maior, crescente e profunda.  

Conforme relata, Mastral sempre foi muito de estudar e que ocultismo, para ele, era expressão que não significava apenas o conhecimento de esoterismos, senão de qualquer coisa que estivesse fora do alcance do público, algo a ser desvendado. A curiosidade o levou à seção de ocultismo do centro cultural de São Paulo.

Enquanto jovem, tentou participar de uma igreja evangélica, na frente da qual constava uma mensagem que dizia “todos são bem-vindos”. Estava todo paramentado com roupa alternativa, cabelão de metaleiro e sentiu que havia um estranhamento dos crentes com relação a ele. Se fosse bem-vindo, ninguém deveria ter estranhado a sua forma de se vestir (pensou ele). Essa má reação dos irmãos fez com que ele não se sentisse acolhido e abandonou o culto.

Um traço característico que se mantém em seus depoimentos é a alta sensibilidade, em contraste com a imagem exterior de marginal, dado a brigas de rua e atos infracionais, o que marcou a sua juventude. Em “O Filho do Fogo – volume 1”, o personagem é vítima constante de bullying e encontra na reação agressiva uma forma de vingança e proteção, deixando de apanhar para passar a bater.

Na década de 80, ele pesquisou no consulado norte-americano por fichas de endereço da Igreja de Satã (Church of Satan), do famosíssimo Anton Lavey, e encontrou um endereço na Califórnia. Enviou uma carta em português, respondida passados alguns meses, lamentavelmente, em inglês. Inconformado, porque não sabia nada de inglês, mandou outra carta pedindo que enviassem uma resposta em português, porque de inglês ele não entendia nada. Passado um tempo, veio uma carta em português, informando que satanismo não era para qualquer um, que depois que entrasse não tinha como sair e indagando ainda se ele realmente estava interessado em se juntar. Ele preencheu uma ficha com uma série de informações tais como hábitos, ascendência, descendência, data de nascimento e o horário, a razão de ele os ter procurado, anexando fotos, endereço, informando dados da família, se estudava ou em qual escola estudou. 

E assim começava a aventura de Mastral no mundo satânico.

Num desses dias, ele estava estudando num canto do centro cultural, a biblioteca estava vazia, e chegou um senhor que aparentava ter 38 anos. O homem invadiu o seu espaço pessoal e forçou contato com ele de maneira tão invasiva que Mastral pensou se tratar de uma abordagem homossexual, rejeitando os avanços da figura (ele diz que era uma pessoa famosa, mas na época ela passava despercebida). O homem esclareceu que não era nada daquilo que o aspirante a satanista, na época ainda Marcelo, estava pensando e que o motivo da visita era o pedido de ingresso na seita. O homem misterioso forneceu uma sequência de informações pessoais, indagando que Marcelo confirmasse se era ele mesmo a pessoa que preenchia aquela qualificação e que tinha pedido para ingressar.

-Você é aquele fulano de tal que escreveu a carta e desejava se juntar a nós? Pois então, é por isso que eu vim aqui.

O homem era cordial, discreto, pagou-lhe um café, vários salgadinhos, deixou que ele pedisse qualquer coisa na lanchonete e teve um bate-papo com Mastral.

Sobre esse personagem de aura misteriosa é dito que manteve relações com a mãe do protagonista, logo no início, dando a entender ser o seu verdadeiro pai. Posteriormente, esse mesmo personagem, Marlon, é quem o introduz nos caminhos da seita e da doutrina oculta. Sempre simpático, beirando “40 ou 42 anos, tez pálida e traços que lembravam uma descendência sírio-libanesa. Usava um blazer de corte fino e elegante, preto, com camisa esporte clara. O anel era claramente de ouro, bem como a grossa corrente ao pescoço e os pequenos broches esquisitos na lapela. Reparei no tremendo rolex”. Isto é o que há de descrição da figura, o público completou o resto, cogitando a possibilidade de que o personagem na verdade seria o ex-presidente Michel Temer.

O autor nega o paralelo e até mesmo ironiza, falando que o próprio Temer citou o seu livro em um discurso. Depois de muitos boatos e conversas do público, o assunto morreu depois que Temer voltou para as sombras da política, após passar o seu período enquanto Presidente da República.

Após o episódio ocorrido na biblioteca do centro cultural, combinaram de aprofundar o encontro em outra oportunidade. Já em outro dia, dirigindo um opala preto, o homem foi buscar Marcelo em frente à Igreja do seu bairro.

Ele foi levado a uma mansão de um bairro nobre de São Paulo, com lareira, lustre, mesas grandes e muita opulência. Havia muitas pessoas e elas o trataram bem, mesmo que não estivesse bem vestido (portanto, diferente do que ocorreu na igreja evangélica). Havia pessoas que moravam na casa e outras 20 que se encontravam na mesma faixa etária de Mastral, que na época contava com 17 anos.

Desceram ao porão, que era iluminado e arejado. Existe casa ou mansão no Brasil com porão? Não sei...

Mastral salienta que andava armado, tinha faca e arma de fogo (caso fosse uma emboscada ele estaria precavido), mas ninguém se deu conta disso e nem houve necessidade.

Começou uma palestra, um verniz da doutrina satânica ministrada com auxílio de um retroprojetor. Isso ocorreu três vezes por semana, da casa para o centro satânico, deste de volta para a casa. Era uma sessão de doutrinação segundo a qual os satanistas realizavam a sua inversão típica, apresentado Deus como mau e o demônio como bom, como injustiçado e oprimido. Deus é colocado como um tirano, punitivo, que irá mandar a criação para a eternidade do inferno e que não há presença de amor em seus atos. Mastral se refere a esse conjunto de aulas como sendo um programa de lavagem cerebral.

A ficção de Mastral desenha mansões e castelos no Estado de São Paulo, dedicados a altos encontros satânicos, com salões elegantemente atapetados, variedade de bebidas e salas especiais dedicadas aos exercícios místicos nos quais se direciona a energia do corpo para adequá-lo à doutrina dos anjos caídos. Existe muito de direcionamento da energia nessas sessões místicas, chakras, ki, são várias as denominações dadas a energia, conforme as diferentes culturas do globo.

Num contexto ritualístico, Mastral ressalta a importância do papel feminino para o satanismo, o seguinte trecho é extraído de um de seus livros: “Por fim a mulher que punha os ingredientes tomou uma jarra e despejou um pouco do seu líquido dentro do caldeirão. Parecia que havia acabado seu trabalho. Tudo deve ter durado pouco menos de uma hora. Mais tarde eu vim a saber que as mulheres são muito bem vistas dentro do contexto do Satanismo e da Irmandade. Pois foi a mulher que teve a sabedoria de comer do fruto proibido e, cheia de poder de sedução, ofereceu-o também ao homem” (O Filho do fogo - Volume 1).

Findo o curso, fizeram umas perguntas para saber se ele havia retido a doutrina, submeteram-no a alguns testes de QI e de lealdade. A família dele passou a ser a irmandade, o nome da seita era “filhos do fogo”, mas a seita satânica, como um todo, é internacional.

Aplicaram uma série de injeções no novato, alegando que eram imunizantes para deixá-lo mais forte e retardar o envelhecimento. Desde então, Mastral sentiu ascensão meteórica no campo profissional, pois os membros da irmandade ocupavam vários postos na sociedade e, quando não estivessem em quadros profissionais estratégicos, poderiam fazer magia para prejudicar aqueles que se mostrassem impeditivos às ambições profissionais do colega luciferiano. E as coisas ocorrem de fato assim na ficção dele, quando precisa de alguma coisa, ele faz um ritual, um trabalho, exatamente como os macumbeiros. Quando não consegue por suas próprias forças, chama alguém da irmandade com uma especialidade mais sofisticada das artes obscuras, o que nos permite concluir que esse proceder satânico é uma espécie de macumba dourada ou gourmet, sem aquela indumentária grotesca, da estética suja, dos macumbeiros de branco, munidos de galinhas pretas, pipocas e velas em centros sem aprumo.

Chegou num ponto em que a seita exigiu que Mastral realizasse um sacrifício para ascender na hierarquia, no que ele se mostrava relutante. Em paralelo, ele começou a namorar uma mulher da igreja e frequentava os cultos, quando sofreu um desmaio. Nesse contexto, ele travou contato com um dos pastores, contra o qual realizou diversos trabalhos sem conseguir atingi-lo. Em uma das reuniões marcadas com o pastor, Mastral se surpreendeu que ele havia comparecido, sinal de que o ritual para atingi-lo havia falhado. O pastor o convence a entrar na sala para fazer uma breve oração. Já dentro, ele notou que as janelas possuíam grade e que a porta havia sido trancada, com a última lembrança sendo a da palma do pastor crescendo em seu rosto e ficando tudo escuro. Ele passa por um exorcismo e a sala fica destruída. Mastral descreve que passou a ter um sentimento de paz.

A virada de chave em sua vida passa pela conversão ao cristianismo, em sua vertente evangélica. Com uma estrutura mafiosa, ele diz que a seita o perseguiu depois que ficaram sabendo de sua apostasia do satanismo, ameaçando-o de morte e matando seus animais de estimação. Muita água correu até que ele conseguisse se desvencilhar desse passado e viver normalmente.

Desde então, Daniel Mastral tornou-se uma figura altamente popular em podcasts e redes sociais, contando os seus vídeos com milhões de visualizações, além de uma massa de admiradores, pronta para acreditar em todos os pontos alegados por ele, tanto no aspecto biográfico quanto no aspecto escatológico.

Em suas manifestações, nota-se sempre a aura do escolhido. Ele afirma que o número 9 é importante para o demônio, porque a Bíblia diz que ele recebeu nove pedras, também a obra de Dante é uma travessia entre os nove círculos infernais, descrevendo as punições que os pecadores lá encontram. O demônio teria nove discípulos e Mastral mencionou que um pregador teve uma visão na qual um desses discípulos abandonaria a seita satânica e se converteria, dando a entender que esse ex-discípulo seria ele mesmo, Daniel Mastral. Isso foi dito em uma das entrevistas.

Em suma, a sua mensagem é a de que existem seitas satânicas e elas pretendem não só adorar o diabo e entidades, como também governar o mundo. Para isso é preciso um gatilho, crises, oportunidades em que uma nova proposta pode ser vendida de maneira mais palatável ao público geral. Porém, o Apocalipse prenuncia a destruição, o fim do mundo, e os satanistas, se o são de fato, creem em Deus. Se o Apocalipse é o fim do mundo, não seriam os satanistas burros então? Nesse caso, ele recorre ao conceito de arrebatamento. Com a grande tribulação, haverá uma massa que será retirada da terra e conduzida para o céu, ou como dizem alguns, para a Jerusalém celeste, e irá restar este mundo destruído para servir de base ao reino satânico. Eles desejam instaurar o reino luciferiano sobre a terra após essa fase apocalíptica, reinar sobre a massa destruída. Findo o período histórico e consumada a escatologia, não haveria nenhum interesse de Deus em intervir aqui neste mundo e o demônio então integraria este plano como um de seus domínios.

E quanto ao inferno? Os satanistas contam com o fato de que, sendo do time demoníaco, quando morrerem será escolhido um lugarzinho bom no inferno para que eles possam prosseguir a sua pós-existência terrena (afinal eles não são como os outros condenados, eles são uma “nata”, fazem parte da irmandade), o resto vai para o “inferno dos órfãos”, onde, aí sim, haverá muito sofrimento.

Assim, a doutrina satânica é vendida com base em sofismas, falsas promessas e se baseia numa falsa independência ou paridade do demônio com relação a Deus, recaindo no velho maniqueísmo.

Em certo trecho do volume 2 de sua obra, ele nos traz uma cena na qual uma satanista mais experiente, vinda dos States, se coloca a palestrar diante de seus correspondentes brasileiros, é aí ele desenha a visão satânica acerca de entidades e continentes, além de se jactar quanto aos planos luciferianos e seu cenário de maturação. A palestra dessa suposta satanista, em resumo, passa a ressaltar o domínio cultural satânico, traçar zonas geográficas, com o enfoque nos Estados Unidos da América.

Mesmo quando passou a se contrapor ao satanismo, Mastral continuou acreditando piamente nesses traçados feitos pela expositora, e a partir dessas páginas[2] ele faz seus raciocínios sobre diversas questões de geopolítica e religião, ainda que com uma chave invertida.

Assim é que, partindo da base ficcional (que o autor alega se tratar de autobiográfica em sua quase totalidade), chega-se ao ponto em que ele passa a interpretar também a política das nações e as agendas internacionais, ora caminhando num sentido acertado e razoável, ora recorrendo a narrativas altamente especulativas, dando-as como certas. É digno de nota que os desinformantes seriam ineficazes se trouxessem apenas fatos inexistentes e delirantes, eles precisam misturar as conspirações verdadeiras com as conspirações falsas e chacoalharem tudo para produzir uma mistura alucinógena que dificulta a interpretação do cenário como um todo.

No final das contas, o que Mastral revela? Ele escreve sobre doutrina, encontros e rituais, mas não revela nada nem ninguém.

Parafraseando o ditado segundo o qual se fala o milagre, mas não o santo, Mastral fala muito sobre rituais, contatos e acerca da existência de satanistas importantes nas altas esferas da sociedade, em tom geral, pois não identifica nenhum em particular, nem instituições privadas ou públicas que teriam conexões com uma seita satânica. Os satanistas arranjaram para ele um emprego de relevo em uma determinada empresa, Mastral não revela qual é a empresa nem quem era o gerente vitimado pelos feitiços de sua seita para que ele pudesse ascender ao cargo de alto executivo.

É alegado também que os satanistas ocupam altas funções na sociedade, apresentando-se como empresários, promotores, juízes, políticos, delegados, etc... Mas Mastral nunca identificou nenhum, nem se antecipou a deixar um dossiê preparado contendo tudo o que ele poderia ter revelado, mas não revelou, fosse qual fosse a razão para não o ter feito (como, por exemplo, a de que foi um ajuste para parar a perseguição). As pessoas consideradas arquivos vivos, marcados para uma queima, têm a péssima mania de não deixar um documento preparado para impedir que seus adversários sejam bem sucedidos na supressão da verdade.

Ele reproduz uma versão da história altamente problemática, alimentando muitos mitos já endossados pelo mesmo estamento internacionalista contra o qual ele alega se contrapor. Reproduz, principalmente, mitos contra a Igreja Católica, lendas sobre as cruzadas, falsificações sobre a Inquisição, além da consagrada mentira de que “Constantino teria remodelado o cristianismo primitivo com a instauração de uma Igreja Católica Apostólica Romana, com santos, sincretismos e etc...”, quando na verdade o referido imperador apenas cessou a perseguição, mantendo a Igreja as suas práticas e os quadros eclesiásticos até então existentes.

Ainda no campo religioso, ele fala também da questão dos Nefilins, os tais gigantes bíblicos, que iam de 2 a 4 metros. Também encontraremos menções ao mito de Ratanabá e as pirâmides da Amazônia (inclusive com o acréscimo de que até Hitler sabia das pirâmides da amazônia...).

Vindo para os tempos modernos, ele repete o mito de que a Rússia manipulou a eleição dos Estados Unidos em 2016 em favor de Donald Trump. Essa mentira é diretamente confrontada pelo fato de que os próprios democratas estão conectados com os interesses dos russos de longa data. Os arquivos trazidos à luz por Bukowsvi expõe a diplomacia secreta do então Senador Joe Biden[3], que na década de 80 havia dito não ter nada contra os soviéticos e que a oposição era na verdade da boca para fora, como se não bastasse as conexões dele (e de seu filho) com burocratas de Moscou, obviamente supervisionados pelo Kremlin. A afirmação de Mastral segundo a qual a CIA teria provado a manipulação das eleições norte-americanas, pelos russos, em favor de Donald Trump em 2016 é completamente delirante e falsa.

No aspecto teológico, encontramos uma das manias mais perversas, mas que, ditas num tom fofo e inofensivo, passam por delicadezas impossíveis de serem confrontadas, mas aqui nós o faremos. Falo sobre a detestável simplificação que reduz Deus a “amor”. Isso de “Deus é amor” é frequentemente usado como subterfúgio para escapar da higidez doutrinária e legitimar heresias, deformações do credo e da própria história cristã. Para além do amor, existe um corpo doutrinário muito bem definido e mandamentos explícitos, contra os quais ninguém pode se opor sem o afastamento da graça divina, com a respectiva condenação ao inferno, que não é obra de Deus, mas sim angélica, dos demônios caídos, embora com a óbvia permissão divina.

É com base no tratamento equivocado da questão do amor que se explica a facilidade com que se troca de posição teológica, como se o discurso tivesse se convertido em falsidade pelo simples fato de o fiel não ter se sentido acolhido, como se o ponto determinante fosse uma experimentação que navega na subjetividade, típica da fluidez arbitrária provocada pelo abandono de dogmas, aliás, dogmas gerados por longas e intensas discussões em concílios.

Mastral não se sentiu bem na igreja que frequentava, não se sentiu acolhido, e então resolveu sair. Ele mensura o acerto ou o desacerto de questões teológicas com base no conforto e na agradabilidade que elas são capazes de lhe proporcionar, um critério que não faz sentido algum, pois são as normas que devem orientar a conduta, e não esta as normas, sob pena de mundanizar a Igreja. Algo que nunca funcionou e que, quando tentado, sempre fez com que as igrejas cessassem de serem igrejas.

É atribuída ao Papa João Paulo II a citação segundo a qual os brasileiros são católicos no coração, mas não na fé, dando a entender que nestas terras o dogma encontra dificuldades de absorção. Por isso, se uma pessoa dessas encontra um padre grosseiro, a doutrina vira falsa, como se o conjunto discursivo teológico não existisse por si, indiferente aos humores e idiossincrasias de ocasião, ou seja, àquilo que Mastral tomou como fator determinante em inúmeras ocasiões.

Mastral fala bastante sobre a questão das inoculações e sobre alguns globalistas proeminentes, como Bill Gates. Esse papo de globalismo se espalhou e é mais aceito atualmente do que era alguns poucos anos atrás. Isto se explica pelo fato de que, antigamente, apenas vozes conservadoras e patrióticas cultivavam informações acerca das iniciativas internacionalistas e enxergavam a cisão que elas visavam produzir entre os estados nacionais, seus povos e as elites interessadas no domínio hegemônico. Tais vozes suportavam com firmeza as tentativas de enquadrá-las com pechas de conspiração, mas o seu discurso foi reforçado quando um dos esquemas globalistas acorreu para denunciar o outro, valendo-se, nesse ato, de diversos pontos levantados contra o globalismo ocidental. Assim, a máquina de propaganda dos neocomunistas (globalistas vermelhos), impulsionou diversas alegações já feitas contra os globalistas brancos, é verdade que impulsionam também vários pontos problemáticos que mais confundem do que esclarecem.

Todos esses pontos passam despercebidos da lente mastraliana. Considero-o um sujeito muito simpático, mas cujas pretensões de conhecimento do oculto estão muito acima do que o cenário permite, ele faz uma mistura excessiva de conspirações baseadas em fatos reais com elucubrações próprias sem lastro, fruto da mitologia contemporânea. O mais curioso é que não encontrei nenhuma voz querendo tachá-lo de teórico da conspiração, enquadrando-o como louco, que fala naturalmente sobre diversos temas que, ditos por outrem (principalmente se vinculado à direita política), poderiam gerar xingamentos imediatos. Ao contrário, Mastral dissertava sobre os temas mais espinhosos, como inoculações, guerra biológica, Adrenocromo para as elites, sem sofrer nenhuma interrupção ou ridicularização e, aliás, frequentando os podcasts mais visados do País. Quanto mais avançava nesses assuntos, mais era convidado.

A hipótese de um desinformante profissional não me parece sólida, eu penso que ele de fato acreditava no que dizia. Essa confusão genuína que ele faz possui forte veia teológica freestyle típica do meio pentecostal, que navega aos sabores das profetadas, sem a base milenar e doutoral da Igreja.

Dissipar os mitos históricos é mais fácil do que os filosóficos, e dissipar estes muito mais do que os de nível teológico. Infelizmente, Mastral não teve tempo de dar esse salto qualitativo, nem parecia estar em busca de pesquisar fontes substanciais ou adicionais sobre seus tópicos de interesse.

As circunstâncias de sua morte alimentam hipóteses e teorias. Ele estava em uma fase de reconstrução da vida, após a ex-esposa e o filho terem falecido, ambos acometidos por um quadro depressivo grave.

Sobre a morte do escritor, encontram-se basicamente duas respostas sobre a mesa. A primeira trata da hipótese de queima de arquivo, pois, segundo dizem, ele sabia demais, ou teria “dado com a língua nos dentes”. Estava com uma nova esposa, outro filho e, como se não bastasse, havia enviado mensagens a um amigo pouco tempo antes, indicando que ainda havia muita coisa a ser dita: que revelaria nomes e apresentaria coisas que nunca havia apresentado antes.

Por fim, há a hipótese de suicídio, baseada na ideia de que ele não teria conseguido superar o quadro depressivo que o acometia, além de não suportar as consequências à sua honra que uma investigação criminal poderia causar, tendo por objeto a alegada hipótese de suicídio assistido da ex-esposa (ele confessou que passou a noite monitorando o pulso dela, que estava tomando remédios para depressão e tudo indicava que exagerou na dose).

Nessa última linha de raciocínio, trabalha-se também com a hipótese do suicida que, momentos antes, deseja montar uma base para a impressão de que não está se matando, que procura deixar em suspenso a probabilidade de ter sido vítima de forças ocultas por ser alguém crucial, prestes a revelar algo. Ou seja, tal forma de pensar pressupõe uma personalidade vaidosa, que quer ser vista como o grande desvelador das intenções ocultas...

Não foram encontrados sinais de que havia terceiros no local de mata para onde ele se dirigiu espontaneamente e sozinho.  Ainda assim, há quem jure, de pés juntos, que houve de fato uma queima de arquivo. Cada um é livre para acreditar no que quiser. Por mim, devemos considerá-lo sobretudo como um ficcionista brasileiro, um olhar atento e benigno saberá extrair de sua literatura a excitação imaginativa cujo verossímil é combustível para desdobramentos artísticos com essa mesma temática de misticismo e sociedade secretas. Espera-se que um escritor exerça a liberdade criativa, pouco importando que os fatos expostos sejam reais ou não, mas é interessante deixar o público ciente de que existem movimentações feitas nas sombras, por elites discretas (ou secretas – vale salientar que há diferença nesses dois termos).

Não encontraremos aprofundamento psicológico e altos debates filosóficos travados entre os personagens, com toda aquela tensão moral colocada diante do leitor, mas os escritos de Mastral possuem a virtude da simplicidade, são fáceis de ler e cumprem essa função de excitar a imaginação, de confabulações que ocorrem no Brasil, com elites e pessoas importantes, sem fechar o quadro conclusivo, como o próprio autor nunca fechou, mesmo quando tinha a oportunidade de fazê-lo.



[2] Na minha edição, página 200 em diante, “O filho do Fogo – Volume 2”.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Primeiro ateu, depois gnóstico - a racionalidade secular como mera transição para o gnosticismo - parte 2

 




PARTE II - O pseudoateísmo e a transição para uma postura simpática ao gnosticismo

O que aconteceria se, quando você morrer, se deparasse com Deus após uma longa vida de negação? Essa foi uma das perguntas feitas a Richard Dawkins[1], que respondeu que iria perguntar que tipo de deus Ele seria, se Zeus, Thor, Baal ou Yahweh, e por que se esforça tanto para se esconder dos homens.

Se todos os ateus enfileirassem os deuses dessa forma, com o mesmo grau de equivalência, talvez o problema fosse menos grave, porque a oposição às divindades seria integral. Os maiores problemas dentro da Igreja não vêm de ateus ou agnósticos, mas de correntes heréticas, que desconfiguram o dogma, pervertendo o sentido das palavras, a mensagem e estruturas eclesiásticas, fartamente expandidas ao longo de séculos.

A perspectiva negadora de Dawkins foge da rota proposta pela tendência cética de Nietzsche, porque se o primeiro está disposto à negação geral, este último não; a postura dele é diferente a depender da crença objeto de análise. Ao reclamar do monge alemão, Martinho Lutero, Nietzsche o acusa de ter refreado o renascimento[2]. Se entendermos a racionalidade como negação de divindades, consideradas ilusórias, o referido escritor nos joga um balde de água fria, porque ele não está denunciando que uma irracionalidade cristã teria prejudicado uma racionalidade renascentista emergente. O real problema para ele é, na verdade, que a irracionalidade cristã teria mantido a hegemonia sobre a irracionalidade pagã, que era a marca do movimento renascentista e com a qual ele se encontrava em sintonia, subscrevendo como desejável para a civilização europeia.

O que revela que, para Nietzsche, o problema não estava na crença em algo, mas no cristianismo em particular. Tratando-se de um paganófilo[3], estava pouco preocupado em zombar dos pequenos deuses do raio, do mar, da caça, do amor, etc..., visando antes, nesse conjunto de crendices, um resgate dos antigos ideais gregos e do fascínio gerado pela estrutura político-jurídica do império romano.

O sentido das imprecações nietzschianas pode ser resumido assim: “vejam bem, quando a humanidade então conseguia resgatar essas ilusões do passado, veio esse monge alemão e incendiou a Europa com um debate teológico do cristianismo”, fez-se a revolução protestante e a Igreja Católica reagiu, promovendo uma contrarreforma (uma contrarrevolução). O resultado foi o refreamento do ímpeto humanista paganófilo, premido entre essas duas correntes.

Recordemos que, para esse escritor, a moral cristã é como uma mordaça confeccionada por homens fracos para limitar os fortes, que ficam privados das possibilidades que a própria natureza lhes confere, daí a simpatia com relação a cultos que extraem a sua razão de ser dos próprios elementos terrenos. Assim, o triunfo do paganismo seria um triunfo da força contra uma moral protetiva dos fracos.

Em “O nascimento da tragédia”, a oscilação entre o apolínio e o dionisíaco deságua na celebração da cultura grega, como meio termo entre os romanos e o misticismo oriental, apontando aquela forma artística e cosmovisão como superior à cultura europeia pós-cristã. Embora a sentença da morte de Deus seja apregoada como pedra fundamental para o ateísmo moderno, nota-se que essa afirmação icônica pretendia antes indicar o esgotamento da civilização cristã, acompanhada de uma avaliação de que, no lugar de Deus, voltássemos aos deuses, àquele ponto no qual, na avaliação do poeta alemão, a arte atingiu seu ponto mais alto.

Ou seja, se um Deus só incomoda o ateu em crise, ao quebrá-lo ele se verá diante de uma pluralidade de deuses menores, fato que não nos leva a lugar algum se a nossa pretensão for instaurar um reino da racionalidade que enxerga nas divindades obstáculo para ler o mundo.

É de uma irracionalidade tal que me sinto obrigado a repetir o diagnóstico de Miguel de Unamumo acerca da concepção nietzschiana, do flerte em torno de um supra-homem, que se pretende forte, mas que na hora H demonstra ser o inverso, e é justamente nessa linha que Unamumo afirma que:

 

“Desesperado e louco por ter que se defender de si mesmo, ele amaldiçoava aquele a quem mais amava. Como não podia ser Cristo, blasfemava contra Cristo. Inflado de si mesmo, queria ser infinito e sonhava com o Eterno Retorno, uma falsificação miserável da imortalidade, e, cheio de piedade por si mesmo, detestava toda piedade... Sua doutrina é a dos fracos que aspiram a ser fortes, mas certamente não a dos fortes que o são de fato!”[4]

 

Na clássica foto dele com Lou Salomé e Paul Rée, Nietzsche se encontra na posição do burro que puxa a carroça e a mulher, cujo tratamento o chicote é indispensável, ela própria segura em suas mãos o chicote. Cultuando a superioridade e a predominância da força sobre os fracos, Nietzsche sofre uma crise mental ao ver um cavalo sendo chicoteado na rua. Ao invés de enxergar no episódio a natural predominância do poder humano sobre a natureza, o abalo o leva a rogar que o mau tratamento dado ao animal cessasse, abraçando-o de maneira afetuosa, oferecendo-lhe a compaixão da qual zombava quando a via direcionada aos homens. Ele me lembra a minha tia, que parou de comer galinha depois que viu uma sendo morta. É um mundo traumatizante, que já deve ter conduzido muitos idealizadores do übermensch ao vegetarianismo.

Analisando o ponto de maneira conjunta a Péguy, Lubac complementa, no sentido de que:

 

Forte para destruir, o laicismo que ele denunciava não tinha força para construir. Ele escavou o canal para um novo paganismo cujas ondas agora nos invadem e que é muito diferente do paganismo que Péguy honrou: não um símbolo da luz cristã que viria, mas um paganismo anticristão, que começa proclamando a “morte de Deus”, com Nietzsche como seu profeta[5].

 

Lubac estabelece a existência de um mito pagão e um mistério cristão, aludindo que cada qual exala uma mística, espécie de válvula de escape das “coisas claras” da realidade[6].

O pseudo-ateísmo, anticristão em essência, visa tão somente contrapor o ideal pagão ao ideal cristão, mesmo porque, analisando a virada de chave promovida pelos cristãos em sua época, aquilo foi de fato uma transvaloração de valores, fenômeno cuja repetição se ambiciona, porém para neutralizar a própria cultura cristã.

Em sua obra “O sonho pagão da Renascença”, Joscelyn Godwin sustenta que o resgate dos símbolos antigos foi feita a partir de uma perspectiva desespiritualizada:

 

Segundo alguns, o Renascimento representou um renascimento da antiga civilização clássica que teria sido redescoberta e reafirmada contra o mundo sombrio do cristianismo medieval. Isso é um grave equívoco. O Renascimento ou tomou emprestadas formas decadentes do mundo antigo em vez das formas originárias, permeadas por elementos sagrados e suprapessoais, ou, negligenciando totalmente tais elementos, empregou o legado antigo de uma maneira radicalmente nova. Durante o Renascimento, o “paganismo” contribuiu essencialmente para o desenvolvimento da simples afirmação do homem e para fomentar a exaltação do indivíduo, que se embriagou com os produtos de uma arte, erudição e especulação destituídos de qualquer elemento transcendente e metafísico[7].

 

Embora o pensamento religioso possa ter consequências seculares, a crítica humanista também pode impregnar-se de leitura e simbolismo sobrenaturais, não apenas no caso da arquitetura europeia envolta em elementos pagãos, como também na evocação de conceitos em nomes de planetas, missões de exploração espacial, dias da semana e movimentos culturais políticos entremeados de referências satânicas e ocultistas.

Faz parte da inteligência humana a capacidade de interpretar símbolos, por isso mesmo, tanto na tradição cristã quanto nas demais, é possível notar essas referências.

O século da razão e seu antecedente renascentista foram marcados por uma bizarra contradição: as cortes começaram a se cercar de astrólogos, charlatães e místicos. Com a queda de braço entre a Igreja e as monarquias pelo controle das universidades, a Igreja sagrou-se vitoriosa e os monarcas começaram a reunir, em suas respectivas cortes, intelectuais e cortesãos, desvinculados da tradição filosófica escolástica. Muitos deles darão suporte à pretensão absolutista, que viciará a instituição monárquica, transformando a classe aristocrática numa classe inútil.

Nesse contexto, tendemos a conferir crédito às palavras que um guia direcionou para Peter Lamborn Wilson, quando este realizava a sua peregrinação em locais de mistérios esotéricos, sendo-lhe compartilhada a teoria de que a iconografia livre de elementos cristãos seria a evidência de “uma sociedade secreta de hermetistas e neopagãos que não estavam apenas apaixonados pela Antiguidade, mas também em revolta contra o cristianismo”. Wilson admitiu que, ao menos em um nível poético, estava disposto a acreditar nessa hipótese”[8].

Alguns não precisarão disfarçar o anticristianismo com deuses alheios à Igreja, poderão pegar figuras próprias da Bíblia. Por exemplo, a imagem de Lúcifer tem fascinado algumas personalidades de peso na história humana e encontram-se entre seus admiradores: Karl Marx, René Guénon, Saul Alinsky, Aleister Crowley, Aleksandr Dugin, mas, para além de gurus e intelectuais centrais, estende-se uma multidão de casos individuais que repete esse mesmo padrão de rejeição ao sagrado e adoração do profano. A figura do anjo caído influenciou movimentos inteiros, o socialismo, o feminismo, os esoterismos (em suas várias vertentes), o eurasianismo. Vozes defendem que a própria maçonaria está implicada nesse culto luciferiano...

As doutrinas luciferianas acenam com a possibilidade de conhecer o oculto e a palavra “libertação” é frequente nos movimentos impulsionados por esse tipo de crença.  Per Faxneld faz uma divisão dos satanismos em duas correntes: 1) Satanismo meramente cultural: a simpatia pelas evocações satânicas, embora não se acredite na existência do sobrenatural; 2) Satanismo esotérico e crente: culto efetivo dos anjos caídos.

Com efeito, se é possível louvar Lúcifer por razões simbólicas, a mesma coisa se poderia dizer com relação a Cristo e sua Igreja. Não obstante, os ateus pseudo-racionais dão uma de joão-sem-braço e constroem justificativas esquizofrênicas para se debruçarem diante do simbolismo satânico, enquanto rejeitam o simbolismo cristão, alegando tratar este último de coisas inexistentes, como se a mesma coisa não pudesse ser dita por eles com relação àqueles outros, como se satanás não pudesse ser desprezado como mera obra da imaginação perversa, e haveria razões de sobra para desprezá-lo, acentuando seus aspectos repulsivos, diferente do que ocorre com a cosmovisão cristocêntrica.

Tomando por base poemas e escritos de juventude, é atribuída a Karl Marx uma devoção ao diabo, o que denota que, por trás da condenação da religião como ópio do povo, havia um lado espiritual oculto e subjacente à carapaça materialista do sistema ideológico marxista. Algo similar ocorreu com a mecânica de Isaac Newton, que, tida como produto racional de uma época que prometia romper com a superstição, não era senão parte integrante de uma teologia construída por aquele pensador.

O biógrafo de Marx, Franz Mehring[9], foi o que primeiro descobriu esses elementos demonólatras de seu biografado, chegando ao ponto de recomendar à filha mais nova de Marx, Eleanor, que ocultasse do público essas informações.

Em introdução à obra de Paul Kengor, Mohler escreve que “mesmo enquanto [Marx] buscava de todas as formas possíveis eliminar Deus, e até mesmo a religião organizada, ele tinha enorme simpatia pelo Diabo e, claramente, em certo sentido, acreditava no Diabo… ele acreditava claramente na personificação do mal.”[10]

Quanto aos trechos poéticos, destacam-se os dois seguintes:

 

“Assim, o Céu eu perdi, bem o sei.

Minha alma, outrora fiel a Deus,

Está escolhida para o Inferno.”

A Donzela Pálida, 1837

 

“Olha agora, minha espada enegrecida de sangue há de golpear

Infalivelmente dentro da tua alma…

Os vapores infernais sobem e enchem o cérebro,

Até que eu enlouqueça e meu coração se transforme por completo.

Vê a espada — o Príncipe das Trevas a vendeu para mim.

Pois ele marca o compasso e dá os sinais.

Cada vez mais ousado, danço a dança da morte.”

— O Jogador, 1841

 

São temas recorrentes a morte, a destruição, o suicídio pactual e estados de espírito típicos do personagem de Fausto, Mefistófeles, quando este diz que “tudo que existe merece perecer”. Kengor afirma que essa sentença era uma das preferidas de Marx.

O pai de Karl o exortava a aproximar-se da religião, encarando com estranheza o fato de que o filho parecia andar perturbado. Numa carta de 2 de março de 1837, ele escreveu: “Esse teu coração, filho, o que o aflige? Ele é governado por um demônio? É governado por um espírito? E esse espírito é celeste ou é faustiano?”. Molher ressalta o caráter misantropo, que paradoxalmente acompanha um discurso utópico que se atribui a função de maximizar a felicidade humana. Como muitos misantropos, Marx tinha lições e dicas para dar aos outros, como se conselhos dados por misantropos resultassem num bem para os seres humanos, algo que não faz o menor sentido, já que o conselheiro pouco se importa na felicidade e prosperidade do aconselhado.

Na letra da internacional[11], feita por Eugénie Potier e cuja composição musical atual se deu em 1888, por obra do anarquista Pierre Degeyter, lemos que:

 

Messias, Deus, chefes supremos,

Nada esperamos de nenhum!

Sejamos nós que conquistemos

A terra mãe livre e comum!

Para não ter protestos vãos,

Para sair deste antro estreito,

Façamos nós por nossas mãos,

Tudo que a nós nos diz respeito

 

O comunismo começa onde o ateísmo começa”, esta é uma frase de Marx, citada por Kengor.

Mohler complementa: “O ateísmo não era um fator acessório no pensamento marxista. O ateísmo é o a priori — porque, se existe qualquer Deus ontológico, então não é possível sustentar a cosmovisão marxista.”[12]. Por tal razão, Kengor avança e conclui que muito mais do que a abolição da propriedade, do capital ou da família, a programação marxista implica na abolição da própria religião e, diante de todas as simpatias ocultas que ele nutre, ele realiza um traçado para outro tipo de culto, profano, falso, pervertido e degradante, longe das expectativas nutridas pelos racionalistas enganados, que sonham com uma suposta aurora científica materialista.

Sendo produto direto da tradição revolucionária socialista, que precede o marxismo, é de se esperar que os ateus e agnósticos com tendências políticas se filiem a esses esquemas, sob a justificativa de que o materialismo histórico encontra-se livre da metafísica religiosa, impressão que se mostrará falsa, pois a superstição sempre estará na espreita.

Após décadas de regime comunista, os russos ainda se mostravam estupidamente supersticiosos e uma onda de bruxaria e paganismo encontrava-se subjacente ao ateísmo soviético oficial, recebendo a denominação de “ocultura soviética” (do inglês soviet occulture), cultivada pelo círculo Yuzhinsky, que produzirá toda a sequelagem que fundamenta o neo-eurasianismo[13].

Alexander Sumbatov era um dos nomes conectados a esse círculo, atribuindo-se o pseudônimo de Yuzhin. Segundo Cristian Derosa, tratava-se de maçom iniciado na loja “Renascença”, do Grande Oriente da França, situada em Moscou[14].  Com essas conexões, Yuzhin foi alçado para relações proveitosas com a nomenklatura soviética, aproximando-se de Anataly Lunacharsky, praticante de teosofia e ocultista visando o recrutamento de esotéricos para transformá-los em colaboradores do Estado.

Derosa escreve que:

 

O lado ocultista e místico de Yuzhin contrasta com a sua postura pública. Em sua biografia oficial, Yuzhin era um homem realista, amante do progresso e inimigo do misticismo. Mas por trás das cortinas do teatro comunista, ele defendia um teatro-ritual por meio da adoção de esoterismos. Na verdade ele foi um dos mais importantes canais de transmissão de fontes e conteúdo esotérico entre a União Soviética e a França, já que vivia entre os dois países. Essa integração de ocultismos foi, segundo Arnold, decisiva para o desenvolvimento de todos os que participaram do círculo nas décadas seguintes, o que podemos incluir aí a obra de René Guénon apenas para citar a fonte mais óbvia[15].

 

O símbolo da foice encontra correspondência na mitologia eslava, sendo um instrumento usado por Marzanna, deusa da morte, do frio e das colheitas, para decapitar o seu marido após a descoberta de uma traição[16].

Quando um ateu ou agnóstico se vê na situação de adotar alguma posição ideológica, ele o faz alinhando-se a esses blocos. Esses movimentos e linhas de pensamento exercem um poder atrativo ou domesticante dos ateus que, em tese, sentem repulsa por construções espirituais. Porém nesse mesmo campo encontraremos uma miríade de crenças diversas, que vão desde o ocultismo, satanismo, até religiões orientais, modalidades livres espirituais sem traços cristãos. Uma característica do campo socialista é aglomerar toda a sorte de espectros religiosos e direcioná-los conforme o projeto político-ideológico. A questão do eurasianismo é icônica para demonstrar essa capacidade de o os socialistas serem um saco de gatos em questões espirituais, muito em razão do perenialismo que reafirmam. Mais uma vez, os antiteístas não são antirreligiosos, são só anticristãos, eles se voltam contra a Igreja Católica e seu Deus único (ou como denominam, “Deus bíblico”), mas toleram ou abraçam a pluralidade, o ecletismo de ocasião, feito de caso pensado para minar as bases do campo ocidental cristão.

De fato, o teor esotérico dessa sopa de socialismos é tão forte que não é absurdo considerar que assassinatos cometidos em massa produzam, na cabeça de integrantes desses movimentos, uma energia mórfica considerável, à maneira de sacrifícios rituais em série[17]. Nesse sentido, a obsessão pelo ato de matar consistiria em algo mais, para além da simples eliminação de opositores. O sentido da palavra holocausto, por exemplo, no caso do socialismo alemão, remete a um “sacrifício pelas chamas”.

Nunca fui da tribo do heavy metal, mas não é preciso ser um observador muito atento pare perceber como a identificação simbólica nesses meios segue o mesmo padrão de cultivar o macabro, aquilo que se aproxime de uma revolta metafísica satânica. Então notem que ao mesmo tempo em que concentra um público indiferente à religião (particularmente à tradicional, a cristã) é um meio musical que aglomera muitos ateus que tomam para si símbolos satânicos, como uma espécie de contracultura.

No entanto, iniciando como cringice contracultural, esses símbolos transformam-se em hábitos e então a fase muito ateia é sucedida por outra mística e recheada de palhaçada satânica ou pagã (quando não esses dois, conjuntamente), com revisionismos do cristianismo, símbolos do oculto e invocações de entidades as mais diversas – as chaves de Salomão, Goetia, Ouija e etc... Trata-se de gente que, embora alegue afastamento das crenças, passa cada vez mais a testar os limites, cada vez mais se satanizam e se paganizam.

A verdade é que muitos ateus são falsos ateus. No fundo, compartilham de ideias satanistas ou de crenças esotéricas e, cultivando esses vetores, seguem a sua linha pseudo-racionalista, apegando-se ao disfarce científico como simples ardil retórico, até que finalmente o abandonam por completo e passam para a fase definitiva da transformação em gnósticos. Portanto, o ateísmo é uma espécie de elemento integrante de uma fase alquímica de modificação de crenças, em que primeiro se dissolve a crença e reverência à tradição tida como hegemônica (a da cruz), para depois consolidar novas formas de espiritualidade, filosofia ou cosmovisão contrárias à primeira.

Agora, um breve episódio pessoal e ilustrativo. Como é costumeiro em qualquer fase universitária, estava eu com um amigo bebendo numa determinada praça, que ficava próxima a um daqueles estabelecimentos que vendem bebidas 24 horas. Então surgiu um rapaz vestido de preto, no estilo heavy metal. Passei a trocar algumas ideias com ele, então ele me revelou que era ateu, porém em suas mãos ele segurava um livro e, ao ser perguntado sobre o que era, me mostrou, explicando tratar-se de satanismo. Além disso, ele também tinha algumas tatuagens relacionadas ao tema, o que demonstrava ser exatamente um desses casos nos quais, o desprezo a entidades inexistentes (e a seus cultos) se coaduna com uma espécie de adoração ou simpatia estranha ao que se esperaria de uma mentalidade laica.

Assim é porque, em última análise, todo ateu tende ao gnosticismo. 

O problema, portanto, não reside no fato de acreditar em histórias falsas e absurdas, porque, em tese, os dois lados estariam nessa condição, tanto os que acreditam no cordeiro quanto os que acreditam no bode estariam professando irracionalidades e invencionices. A diferença é que o ateu, com o seu fetiche satânico, não rejeita o simbolismo luciferiano como algo ridículo da mesma forma como faz com a cruz e a Bíblia. Isso evidencia que o verdadeiro núcleo da questão não é a crença irracional em si, mas vislumbrar a melhor forma de efetivar uma oposição sistemática e de fundo emocional a uma religião específica, que no caso é o cristianismo, poupando as demais.

Os seculares são soldadinhos que compõem as hostes dos esotéricos e gnósticos de todo o tipo, eles são jogados numa disputa que envolve crença versus crença (ou para ser mais exato, de várias crenças contra uma em particular, aquela que consideram a hegemônica e obstáculo). Porém, imersos nesse tipo de embate, tentam opor a razão à fé, buscam dar ares de cientificismo a uma batalha eminentemente espiritual ou, para usar um termo melhor, extra-política e cultural. 

Sem dúvida, para além da questão metafísica, o cristianismo é um obstáculo político. Quando a denúncia marxista, segundo a qual a religião é o ópio do povo, é lançada contra a Igreja, ela se fundamenta no fato de que, impregnado de valores cristãos, o proletário não supera esse esquema metafísico e fica impedido de ingressar na luta de classes. A religião é uma camada impeditiva para a luta revolucionária. E vale asseverar que os seculares são contra essa camada e a favor da revolução. As exceções apenas confirmam a regra.  

Se fôssemos analisar a questão religiosa a partir de um prisma secular verdadeiramente racional, poderíamos enveredar por outro raciocínio, colocando-a sob perspectiva sociológica, observando que mesmo as crenças falsas determinam comportamentos reais, com consequências práticas. Se o sujeito acredita em mandados divinos no sentido de praticar o bem, ser justo e evitar a tentação, então fica estabelecida a regra segundo a qual ele tenderá a agir bem ou se sentir culpado quando não o fizer. Por outro lado, se considerar a posição do bode mais atraente, irá se alinhar à postura desafiadora do bem e dos pactos sociais, defendendo as transgressões e relativismos, ou seja, irá olhar para esses valores negativos com simpatia ou, no mínimo, indiferença.

O ser humano é influenciado desde a infância a partir de modelos ideais. Uma criança que se desenvolve numa sociedade violenta se acostuma com a brutalidade e tende a considerar o meio cruel como o mais legítimo para atingir seus objetivos e satisfazer suas vontades, assim ocorre também nos signos da cultura: quem olha para Cristo, emulará as qualidades de Cristo, e quem olha para o bode irá admirar os traços dele.

Outro ponto a se considerar: se demônios existem, eles estão submetidos à vontade divina, o que faz com que a posição de Deus prevaleça e seja correta em face das entidades demoníacas. Se nenhum desses elementos existe (nem Deus, nem demônios, nem anjos) então tudo deve ser considerado apenas no plano simbólico, e mesmo aí deverão os símbolos divinos prevalecer, porque representam aquilo que Deus seria se existisse, uma entidade suprema e absoluta que teria soberania sobre tudo e todos, inclusive sobre os demônios. Os sinais representativos de Deus prevalecem sobre aqueles das entidades adversárias à criação (de ordem luciferiana). Se Deus existir, obviamente ele vence. Se Deus não existir, o simbolismo de Deus vence. O trabalho inteligente e racional do ateu na análise dos símbolos religiosos tem como conclusão inequívoca a opção pelos primeiros e rejeição dos segundos. Em nenhum cenário prevalece a palhaçada satânica como alternativa lúcida.

O conhecimento de Deus pode ser tratado de maneira diferenciada do conhecimento das realidades morais, porque posso encarar a moralidade (que é absoluta) como um valor em si mesmo, jogando para frente as implicações dessa constatação, ou seja, se poderia ou não ter relação com uma entidade antecedente que tenha definido esses vetores morais.

Na concepção teológica, os demônios são como que testadores do merecimento humano em ingressar ao paraíso, Lúcifer é um revoltado, inconformado com o fato de que algo carnal e mortal tenha sido criado com atenção e amor divino, Satanás não é inimigo de Deus, mas inimigo da humanidade.

A crença em demônios pressupõe a existência de Deus. Porém, se Deus existe, é Ele que deve ser louvado e adorado, não suas criaturas baixas e mentirosas. O satanismo autêntico é uma construção que se implode, é uma tese suicida, porque as premissas contrariam o próprio edifício, são rechaçados tanto no Gênesis quanto no livro de Apocalipse. Com relação ao satanismo cultural, não havendo que se falar em crença em demônios, anjos ou Deus, ainda assim extrai-se a conclusão de que as representações de satanás não devem ser respeitadas, porque são movidas com intuitos negativos, elas refletem o que há de pior na consciência coletiva e individual, os processos revolucionários demonstram muito bem isso. Ainda que não se considere os anjos caídos como existentes, os satanistas se comportarão como se ele de fato existisse, produzindo resultados práticos que consideram agradáveis ao demônio, portanto quando não constitui um perigo de raízes teológicas passa a ser um problema de raízes culturais, com efeitos degradantes e subversivos do bom senso.

A inversão demoníaca pode ser percebida no conjunto de ações promovidas pelos movimentos ideológicos de massa, assim como no processo de subversão cultural atribuído ao gramscismo, ao Instituto de Pesquisas Sociais (IPS) – Escola de Frankfurt, cuja pseudociência cultivada em universidades formou uma teia capaz de determinar ações governamentais e gerar efeito imitativo no terceiro mundo. Essa iniciativa contracultural configurou o pontapé inicial para a destruição presenciada nos tempos contemporâneos e esse mesmo movimento fez da Igreja Católica alvo prioritário. Isso é o mesmo que dizer que, para defender a racionalidade e rejeitar os pós-modernismos, é necessário defender a Igreja Católica.

 As universidades, assim como as catedrais e os parlamentos, são um produto da Idade Média.[18] Com a secularização dessas instituições, a ideia era justamente expelir elementos do credo, considerados impeditivos ao conhecimento científico. Atualmente, as universidades e institutos de educação em geral, mesmo os confessionais, sequer ousam reafirmar os seus respectivos dogmas como linha mestra de atuação, cuja violação poderia embasar sanções aos docentes e discentes. Por exemplo, uma Pontifícia Universidade Católica pode abrigar projetos anticatólicos. Ou seja, estão livres para produzir o conhecimento mais “puro” de elementos espirituais, mas foi nesse contexto que caíram no domínio da irracionalidade frankfurtiana e converteram-se em centros de militância ideológica.

Há muito que o embate deixou de ser entre a razão laica e a moral religiosa, porque a tensão que ocorre nos dias atuais, nos círculos falantes, é entre o intelecto lógico-analítico e a moral ideológica, entre a razão autêntica e outra fabricada para propósitos outros que não a produção de conhecimento.

As posições anticristãs são, em última análise, irracionais ou espirituais elas próprias. Assim como Prometeu teria fornecido o fogo da inteligência à humanidade, os satanistas elaboram uma justificação pela qual Lúcifer seria o representativo da libertação da humanidade, o primeiro revolucionário (elogiado por Saul Alinsky em seu Regras para radicais). Por essa leitura invertida, desde o primeiro momento da criação ele teria procedido a essa tentativa de fornecer ao homem o conhecimento oculto e o ato de corrupção, de introdução do pecado original, é apresentado como salvação por uma via oblíqua à determinada por Deus.

A investida feita pelos seculares tende mais à reconfiguração do campo simbólico. A maior parte dos ateísmos é de fachada ou ao menos algo muito inconsistente, mambembe, um ateísmo bem vagabundo que presta um desserviço aos verdadeiros ateus racionalistas, se é que existem em uma porcentagem considerável. O apego à simbologia satânica e imagens demoníacas é sintoma de um ódio irracional à cultura cristã, é indicativo de uma personalidade complexada, movida por um transtorno opositivo desafiador. Trata-se de ateísmo irracional que depende de slogans pró-ciência e pró-racionalismo para manter-se satisfeito, mas não é nem um, nem outro.

Colocada contra a parede, a pseudo-racionalidade fica premida pelo seguinte dilema: por que o descrente militante se torna anticristão ao se deparar com o cristianismo, mas não antissatânico ao se deparar com o satanismo? Ou mesmo anti-pagão, caso a contraposição seja feita ao neopaganismo? O anticristão é, via de regra, satanófilo, embora não necessariamente satanista. Sua base não é a fria rejeição de crenças não verificáveis cientificamente, mas possui sim base emocional. Ele não apenas não acredita em Deus, como também odeia a simples possibilidade de sua existência.

O ateísmo militante se apresenta hostil ao cristianismo, mas se mostra dócil às palhaçadas esotéricas e satanistas. Sua reação supostamente racional às crendices é uma falsa justificativa de oposição à Igreja, buscando a integração a correntes que visam reformular a narrativa bíblica e seus consectários. Então, o secular clama por fantasias e brinca com o charme exótico ao pendurar pentagramas, cruzes invertidas, imagens consideradas blasfemas e deuses estranhos à sua cultura, o que acaba por produzir um resultado bizarro: rejeitar o cristianismo, enquadrando como superstição rasa, ao mesmo tempo em que se tolera, quando não se louva, elementos ocultos, pagãos e satânicos, que também representariam entidades inexistentes. 

Vê-se que não há nada de racional ou materialista nessas personalidades, o que há é a busca de um pretexto para se posicionar contra a estrutura metafísica cristã existente. Portanto, tudo fica mais claro quando se remove o véu da racionalidade com o qual se apresentam para o público, quando se cobra coerência do materialismo, que aparentemente serve de suporte às premissas ateias, descobre-se uma dimensão de crenças alternativas cultivadas por eles, envolvendo entidades e suas representações das quais não abrem mão e contra as quais não abrem fogo na mesma intensidade com que fazem contra o “Deus bíblico”.

Enquanto o gnosticismo acena para um mundo fantástico, cujas chaves, concedidas aos seletos, foram obtidas pelo deslumbrado, o materialismo fetichista lida com o mito da tábula rasa e com o potencial de reformular a criação. Em Mitologia científica do comunismo, Lucian Boia expõe como as crenças socialistas sempre necessitaram, como sustentáculo, de um conjunto de mentiras coletivas que funcionavam como estímulo ao poder revolucionário e às suas pretensões.

Ele delineia uma série de mitos, dentre os quais pontuo os seguintes: O mito da razão (segundo o qual a razão possui fundamento em si própria). O mito da ciência (a ciência tem dupla vocação, a de explicar de maneira completa e definitiva o mundo e também de modificá-lo). O mito das leis históricas (uma espécie de mecanicismo de leis que regem a atividade dos homens e explica cada uma das etapas da humanidade). O mito da presciência científica (a capacidade de prever cenários futuros e de conhecer espaços longínquos). O mito do progresso amparado pelo da evolução (estipula que há um movimento ascendente na história – os que vieram depois são superiores aos que vieram antes – isto será o ponto nodal para o cronocentrismo). Por fim, o mito do novo mundo (o mundo do amanhã é essencialmente diferente do de ontem) e o do novo homem (a essência humana pode se modificar e atingir outros estágios, por exemplo, com o novo homem soviético e o homem ariano, cujos superpoderes teriam sido perdidos após reproduzir-se com povos inferiores). Diz Boia que “sobrepondo-se à maior parte desses mitos, o mais forte e operante entre todos, o mito milenarista, arquétipo durável do imaginário, em sua variante religiosa, mas também e, sobretudo, no século XIX, em suas versões secularizadas[19].

No recente desfile ocorrido em Beijing, em 3 de setembro de 2025, um microfone captou a conversa entre Putin, Xi Jinping e Kim Jong Un sobre as possibilidades científicas de prolongamento da vida, pelo menos até os 150 anos. Não se trata de tema inédito: já no regime de Kim Il Sung havia sido criado um instituto dedicado à longevidade, cuja única finalidade era manter o líder comunista vivo. Kim Il Sung faleceu em 1994 aos 82 anos, vítima de ataque cardíaco.

Vencer a morte, os limites humanos e tornar-se um deus. Se não for possível a imortalidade, ao menos a amortalidade (impedindo a morte por envelhecimento e doenças). Mas, como se vê, nunca se fecha a perspectiva para trabalhar apenas no campo exato específico, cuja racionalidade é motivo de orgulho, deseja-se ir além e mergulhar em práticas esotéricas e fetichistas de satanismo. O povo hebreu, em sua marcha para a terra prometida, era picado por cobras, fato que levou Moisés a colocar uma estátua de serpente, indicando que bastaria que olhassem para ela quando fossem picados e então estariam curados.

Porém, os líderes materialistas também procuravam seus totens, colecionando amuletos e fomentando pesquisas não ortodoxas, alheias ao laicismo oficial de seus regimes. Cartazes na União Soviética instruíam os pais a notar habilidades paranormais em seus filhos e notificarem o governo para fins de estudo e aproveitamento estratégico. Embora os fenômenos sobrenaturais fossem objeto de zombaria nas universidades sucateadas, os institutos militares demonstravam seriedade e se prestavam a custear pesquisas, ao tratar de questões como essa.

No livro de Boia, já citado, vê-se uma campanha dos revolucionários pela erradicação da morte. O marxista John D. Bernal era um desses propagandistas de tal campanha e escreveu um artigo intitulado “A ciência pode fazer a morte recuar”, publicado em fevereiro de 1952.

 

Tratar as doenças é, em si, uma confissão de fracasso; uma sociedade verdadeiramente sadia não deve permitir a doença nascer nela. Nem a velhice, nem a doença são males necessários... a morte mesma não é uma necessidade absoluta, mas uma necessidade determinada pelas circunstâncias; quando compreendermos mais, saberemos adiá-la e talvez suprimi-la”. O que não ocorrerá em qualquer lugar, mas “nos países onde os homens empregam sua inteligência para criar o bem-estar de todos, um novo espírito, uma nova cultura”. Na União Soviética, na China...[20]

 

Ora, ora... Há uma promiscuidade entre desprezo manifestado pelas correntes racionalistas pelos tópicos teológicos e metafísicos, em contraste com as alianças e mutações pelas quais essas tais correntes podem passar, elas podem se apresentar com muito mais flexibilidade, dando forma a um ecletismo curioso. O que explica a conexão entre as ideologias do materialismo histórico e os esoterismos, como os de Blavatsky e Crowley.

O próprio Aleister Crowley[21] é uma figura que passou por significativas transformações de crenças ao longo de sua trajetória. Nascido Edward Alexander Crowley em 12 de outubro de 1875, em Royal Leamington Spa, Inglaterra, Crowley cresceu em  um lar cristão, tendo perdido a fé já no início de sua juventude. Vindo de uma família abastada, pôde viajar bastante pelo mundo. Em 1898, juntou-se à Ordem Hermética da Aurora Dourada, organização esotérica rosacruz. Durante a sua viagem ao Egito, em 1904, alegou ter passado por experiências místicas a partir das quais escreveu “O livro da Lei”, contendo ditados supostamente fornecidos por um ser espiritual que atendia pelo nome de Aiwass. Foi nessa oportunidade que Crowley teria formulado o seu mais famoso ensinamento: “faça o que tu queres, pois é tudo da lei”. Ancorado na vontade, Crowley tinha um nome para a sua nova religião: Telema (do grego Thelema, significando exatamente isso: vontade). Ele teve uma morte discreta e a sua influência acabou se expandindo postumamente.

Apesar do profundo mergulho no esoterismo, o cristianismo inicial de Crowley foi sucedido por uma fase ateia (entre 1887 e 1898), quando ele alimentou um ceticismo “racionalista” crescente acompanhado da rejeição das religiões organizadas. Durante a adolescência passou a levantar questionamentos sobre inconsistências bíblicas, fazendo avanços agressivos contra a moral da época e se comportando com rebeldia, passando da rebeldia ao fumo, do fumo à bebida, desta à masturbação, e da masturbação para sexo com prostitutas, tendo contraído gonorreia aos 17 anos. Dentre as obras que o teriam influenciado encontram-se A Origem das Espécies, de Charles Darwin, e História do Conflito entre Religião e Ciência, de John William Draper, que o conduziram ao racionalismo e ao materialismo. John Smynods destaca que havia em Crowley[22] uma revolta contra a moral e religião de sua época, outros pontuam que suas posições políticas pendiam de acordo com convicções metafísicas e espirituais. Marcos Pasi revela a simpatia que Crowley nutria tanto pelo nacional-socialismo quanto pelo marxismo-leninismo, como sói acontecer com personalidades que não se definem nem pela direita nem pela esquerda, mas que gostam da despirocagem revolucionária, seja qual for a máscara com que se apresente.

Pasi ainda complementa no sentido de que

 

O que Crowley apreciava no nazismo e no comunismo, ou ao menos o que lhe despertava curiosidade, era a posição anticristã e as implicações revolucionárias e socialmente subversivas desses dois movimentos. Em seus poderes subversivos, ele via a possibilidade de uma aniquilação das antigas tradições religiosas e a criação de um vazio que a Thelema, posteriormente, poderia preencher[23].

 

Do exposto, percebe-se que o mago materialista é um tipo bem ilustrativo do pseudo-racionalismo, presente nos ateísmos (ou agnosticismos), bem como da tendência de se transmutar em outro tipo de crenças, ou de mostrar-se complacente com elas, percebido a potencialidade do fator contracultura como instrumento para desafiar a sociedade existente. Notem como os pseudo-racionalistas, rejeitando as chaves metafísicas cristãs, são suscetíveis de recair em tópicos como mitos ufológicos, nova era, resgate pagão ou luciferianismo propriamente dito.

Enquanto na posição de cético, Crowley foi acumulando material e se impregnando de noções esotéricas, adquirindo obras como The Book of Black Magic and of Pacts de A. E. Waite e The Cloud upon the Sanctuary de Karl von Eckartshausen. Integrou também em seu pensamento elementos da cabala, alquimia e do misticismo oriental, influenciado por figuras como Julian Baker e Allan Bennett. Longe de a fase cética ser um obstáculo para devaneios do oculto, ela constituiu um convite para tudo o que não fosse concernente à chamada “religião organizada”, ou seja, à religião cristã.

Como escreve Lucian Boia,

 

Costuma-se crer que a razão tenha travado uma guerra impiedosa contra tudo o que não fosse razão. Nesse caso, as aparências enganam; não há aniquilação, mas reciclagem. A razão apenas reciclou e dispôs conforme as regras da geometria (rigorosa, cartesiana) todas as fantasias essenciais da humanidade. O imaginário, incluindo suas manifestações mais desmedidas, encontraria na razão seu melhor álibi, seu lastro de respeitabilidade. Oferecer uma explicação completa do mundo e ao mesmo tempo reformá-lo a seu gosto – eis os dois traços fundamentais da nova mitologia racionalista[24].

 

 

CONCLUSÕES

As correntes céticas não surgiram do nada, pertencem a uma tradição de pensamento que remonta ao estágio de ruptura entre a civilização cristã, de viés escolástico e cristocêntrico, até o ocidentalismo atual, identificado por alguns pensadores como fase de esgotamento da religião cristã, como se lidássemos apenas com a casca da cristandade, sem substancialidade alguma. Essas correntes se identificam com a noção de racionalidade, gostam de se imaginar racionais, lógicas, metódicas e manuseadoras da navalha de Ockham, cortando o “deus das lacunas” dos acontecimentos passíveis de explicação pelo método científico. Apesar de encontrarmos antecedentes céticos nos pensadores da Grécia Antiga, o tipo de que tratamos se manifesta mais fortemente a partir das grandes revoluções, dentre as quais a Revolução Francesa.

Em prefácio à obra de Daniel Mornet (Os Intelectuais da Revolução Francesa), Laura Palma, referindo-se à erupção política ocorrida em 1789, comenta que “uma tempestade sem precedentes como essa não foi gestada pela falta de pão[25], ciente do fato de que são as ideias e a vontade humana, não as condições sociais e econômicas, que determinam as grandes modificações no panorama social. Nesse sentido, encontram-se décadas de solapamento espiritual e filosófico por obra do Iluminismo, ora professando um anticlericalismo intenso, ora adotando uma abordagem mais humanista em busca de uma suposta religião natural, caindo no deísmo.

 O esquema de valores que sustenta uma civilização segue a seguinte sequência: 1) Religião; 2) Cultura; 3) Política Geral; 4) Política Formal. Os revolucionários percorreram todas essas etapas, explorando o que viam como inconsistências dos dogmas, até que essa racionalidade se transmutasse no culto da deusa razão inaugurado por Maximilien Robespierre.

Esses surtos de racionalização e quebra de ídolos, seguidos de levantamento de outros, acompanharão a história humana em seus movimentos políticos e culturais de cunho anticlerical, de maneira que o importante não é ser hostil às crenças, mas sim travar combate contra o cristianismo (ao catolicismo em particular) e, para tanto, admite-se a conjugação de várias formas de espiritualidade.  Trata-se de um plano de guerra cultural posto em execução.

As correntes filosóficas passam a enfatizar o papel do sujeito em detrimento do objeto, a mente ofusca a realidade e já no “penso, logo existo” está contida a fórmula dos subjetivismos dos séculos subsequentes. Assim, o racional que pretendia se arvorar na matéria para interpretar tudo o mais realiza o caminho inverso e passa a adotar uma via solipsista. 

Com o desdobramento desse primeiro impulso, as vertentes filosóficas paradoxalmente colocarão em dúvida a própria noção de eu e de realidade. Portanto, o ímpeto lógico e metódico revela-se como pseudo-racionalismo, procedendo à quebra do eu, à negação geral dos significados, pavimentando o caminho para espiritualismos, desde que possuam uma aura dotada de transgressão, como o charme do oculto, o resgate pagão, apego satânico e manias esotéricas dessa estirpe.

Tentando desmistificar o transcendente, os ateus e agnósticos conseguiram colocar em dúvida o próprio mundo existencial terreno, eles sequer sabem mais o que são ou se são. Desconhecem a diferença entre evidência e prova, pedindo provas sobre Deus, recusam evidências de fenômenos menores que acontecem na própria materialidade da vida.

Existe um componente irracional inserido no raciocínio secular que maculou inclusive os denominados quatro cavaleiros do ateísmo, incapazes de travar resistência às pseudociências de sua época, convertendo-se em sustentáculos para as pretensões revolucionárias que nada mais são do que iniciativas deformadoras das suas respectivas sociedades. Em suma, o novo ateísmo é um impulsionador de todas as propostas de subversão do racionalismo.

O discurso pseudo-racionalista morre pela própria boca. É preciso colocar o subjetivismo no seu devido lugar e restaurar a sanidade, reafirmando o eu, a matéria e a conexão entre ambos, o que inevitavelmente conduzirá à expulsão da pseudociência, acentuada pelo pós-modernismo e tendências desestruturalistas, como ocorre com a ideologia de gênero, e de pseudofilosofias clássicas, como é o caso do niilismo, que de racional não tem nada.

E mais, utilizando as lentes seculares para desmistificar os mistérios bíblicos, jogando-os de lado como irrealidades, os mesmos secularistas mergulham na simbologia gnóstica, tratando de suas nuances e profundidades. Esse duplo tratamento não se sustenta, pois, se a história bíblica é tomada como irreal e descartável por ser considerada falsa, o mesmo destino deve ser reservado a toda e qualquer crença, seja pagã, satânica ou oriental. Ou a capacidade de interpretação simbólica é exercida em sua plenitude ou não é de maneira alguma.

Cabe notar ainda que, se o antiteísmo é compatível com o apego simbólico gnóstico, com o “ateu” insistindo em identificar-se com o profano e sua simbologia (se é provocação ou não, pouco importa), nada obsta que os ateus e agnósticos rejeitem a demonolatria ou paganofilia e se denominem cristófilos, por razões igualmente simbólicas ou culturais.

O mundo moderno também depende da propagação de mitos, mas desta vez apresentados com uma linguagem científica e secularizada. Portanto, se existe um embate no qual os racionalistas podem provar a sua verdadeira competência, este é aquele que ocorre entre a razão e a falsa razão. Se os racionalistas não conseguem solucionar o problema das pseudociências que crescem nas suas respectivas áreas (e ao contrário, as fortalecem) não têm nem com que se preocupar em matéria de inconsistência dogmática da Igreja. Se os padres exorcizam demônios com a autoridade do reino espiritual, os racionalistas precisam exorcizar, mutatis mutandi, a pseudociência de suas especialidades, missão na qual têm fracassado miseravelmente, partindo para o tratamento da ciência como um amuleto e lugar-comum, a partir do qual conferem impulso a transformações sociais de cunho político-ideológico, sua razão de ser e garantia de verba, emprego e status.

Está correta a sentença segundo a qual “o sono da razão produz monstros”, mas o que pode ser complementado é que o pseudo-racionalismo, encampado pelos secularistas, é um caminho pavimentado para a sedimentação misticismos variados.



[1]Richard Dawkins - If I meet God when I die? Disponível em https://youtu.be/SdhvszEQyrM?si=YexUFb0vg2pSe7hP

[2] “César Bórgia como papa... Compreendem-me? Pois bem, essa teria sido a vitória pela qual hoje anseio - : com ela o Cristianismo estaria abolido! – O que aconteceu? Um monge alemão, Lutero, foi a Roma. Esse monge, tendo nele todos os instintos vingativos de um sacerdote fracassado, indignou-se em Roma contra o Renascimento...” NIETZSCHE, KSA, AC, § 61, 1999, p. 251. Citado em “Nietzsche e Lutero: Consciência, Culpa e Justificação” - Portal de Periódicos da UnB, disponível em https://periodicos.unb.br/index.php/fmc/article/download/12594/11007/

[3] “Sou um discípulo do filósofo Dionísio, preferiria antes ser um sátiro a ser um santo” (NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo (SP). Companhia das Letras, 2008. P.15)

[4] LUBAC, Henri de. The Drama of Atheist Humanism. Ignatius Press. San Francisco. 1998. P. 499

[5] Idem. P. 93.

[6] Idem. P. 91.

[7] GODWIN, Joscelyn. The Pagan Dream of the Renaissance. Thames & Hudson. 2002. P. 257

[8] Idem. P. 172.

[10] Idem.

[12] Idem. Entrevista completa: Karl Marx Meets the Devil: A Conversation with Historian Paul Kengor. https://albertmohler.com/2021/02/10/paul-kengor/

[13] Aglomerados no termo “terceira posição”, fórmula genérica que reúne todos os esquemas políticos similares ao fascismo e nacional-socialismo, levando-se em conta a peculiaridade de cada um dos países, o neo-eurasianismo não é senão resgate de algo que surgiu em 1920.  Ortodoxos, islâmicos, budistas, ateus, agnósticos. O que todos eles têm em comum, em sua base, é o anticatolicismo em essência, suavizado pela propaganda e discursos duplos que eles dirigem a cada um dos grupos ideológicos. 

[14] DEROSA, Cristian. O Sol Negro da Rússia. P. 183.

[15] Idem. P. 184.

[17] Insight dado por Jeffrey Nyquist em um de seus artigos.

[18] HASKINS, Charles Homer. A Ascensão das Universidades. Danúbio. Santa Catarina, 2015. P. 12

[19] BOIA, Lucian. A mitologia científica do comunismo. Tradução Bruna Torlay. São Paulo: Faro Editorial, 2024. P.47/48.

[20] Idem. P. 161.

[21] Aleister Crowley. British occultist. https://www.britannica.com/biography/Aleister-Crowley

[22] Symonds, John (1997). The Beast 666: The Life of Aleister Crowley. London: Pindar Press. Nota presente em https://en.wikipedia.org/wiki/Aleister_Crowley

[23] Pasi, Marco (2014) [1999]. Aleister Crowley and the Temptation of Politics. Ariel Godwin (translator). Durham: Acumen. Nota presente em: https://en.wikipedia.org/wiki/Aleister_Crowley#cite_note-FOOTNOTESymonds1997vii-263

[24] BOIA, Lucian. A mitologia científica do comunismo. Tradução Bruna Torlay. São Paulo: Faro Editorial, 2024. P.18.

[25] MORNET, Daniel. Os Intelectuais e a Revolução Francesa. Editora Caravelas. São Paulo (SP), 2024. P. 12

Friends & Enemies - Jeffrey Nyquist & Alex Bensch - transcrições PT-BR

Friends & Enemies, ou simplesmente Amigos e Inimigos, é o nome da série de conversas entre Jeffrey Nyquist e Alex Bensch sobre a geopolí...